domingo, 27 de julho de 2008

 

Quando o singelo se torna o melhor

Em um fenômeno recente, animações surpreendem pela qualidade, batendo muitos roteiros vividos por gente de carne e osso

Por Rodrigo Alves

Um fenômeno tem se tornado grata surpresa na indústria cinematográfica nos últimos anos. Não é raro encontrar boas animações que se destacam pela apuração das temáticas sofisticadas em seus roteiros, ainda que continuem prioritariamente voltadas para crianças, assim como tem sido desde o surgimento do gênero.

Um exemplo recente é Wall-E (foto em destaque), feita em parceria entre a Pixar e a Disney, que desde o sucesso estrondoso de Shrek (EUA, 2001), da concorrente DreamWorks, acordou de vez para o fato de contos de fadas, que prezam pelo politicamente correto como Cinderela (EUA, 1950) e companhia, estão obsoletos.

Wall-E, em sua primeira terça parte, conseguiu o que o protagonista Will Smith e o diretor Francis Lawrence não conseguiram na refilmagem de Eu Sou a Lenda (EUA, 2007): passar de maneira sensível, sem pieguice, o drama do tema, no caso a solidão.

O robozinho Wall-E, por paradoxal que seja, é a melhor expressão humana do que é se sentir sozinho. De quebra ainda ganhamos com uma trilha sonora sofisticada, que inclue entre outros presentes uma bela interpretação de La Vie En Rose de Louis Armstrong.

Um observador mais atento dos ambientes das salas de cinema poderá notar que a imagem de um adulto que carrega várias crianças (da família, do vizinho, do casal amigo) está rara. Cada casal tem levado seus filhos. Surpresa maior é quando o casal está sem crianças, isto é, não usou nem a desculpa de serem meros acompanhantes.

Antenados - A explicação é que os roteiros são cada vez mais pensados para atender todas as faixas etárias. Haveria uma infantilização do público? Não. Assim como os filmes cult-pop, que com suas questões existencialistas conjugadas às imagens de tirar fôlego atendem aos exigentes em relação ao conteúdo e aos que querem só diversão, essas animações investem em questões caras e íntimas a qualquer ser humano.

Uma das possíveis causas desse fenômeno refere-se ao fato de que diretores/autores têm, ou julgam ter, mais domínio sobre suas criações e sentem-se livres para ousar mais. Moldados às suas conveniências, personagens virtuais atingem maior grau em suas exigências (esbarrando somente na limitação tecnológica). Exagero à parte, nesta toada logo poderemos brincar que atores de carne e osso que se cuidem.

Comparação - Só para efeito de análise, se permitem, vou comparar a animação Ratatouille (segunda foto), também da Pixar/Disney, dirigido por Brad Bird; o nacional Cazuza – O Tempo Não Pára (terceira foto), dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho; e o suspense 1408(quarta foto), dirigido por Mikael Hafström.

Com um orçamento e uma estrutura à altura de Titanic (EUA, 1997), de James Cameron, 1408 é uma adaptação famigerada da obra do escritor esquisitão Stephen King. Todo a produção esmerada e os efeitos especiais são pouco perto do roteiro que tem uma narrativa pobre e cheia de clichês e traz uma apagadíssima atuação de John Cusack, protagonista.

Cazuza tem um nível intermediário. Descontando a pequenez do orçamento de cinema nacional perto do hollywoodiano, ele promete mais do que realmente poderia. Trata-se de uma obra pouco ousada, que restringe-se à narração cronológica, que explora pouco as nuances de seu personagem biografado e o visa de maneira romantizada demais. Seu trunfo é a ótima atuação de Daniel de Oliveira como Cazuza.

Mas é Ratatouille o melhor. Destaca-se entre os três porque dele nada se espera. A princípio é mais um filme sobre ratinhos humanizados. Aproveitando-se disso, porém, discute a questão da auto-estima e mostra que no mundo moderno qualquer um tem potencial para ser o que quiser. Surpreende mais ainda por fugir de um desfecho óbvio e por se atrever a fazer poesia visual em certos momentos. Ponto para a animação.

Serviço

Em cartaz em todo o País:
Wall-E (Idem) – EUA, 2008. 97 min. Animação. Direção de Andrew Stanton. Com vozes de Ben Burtt, Elissa Knight, Jeff Garlin, Sigourney Weaver. Site:
www.disney.com.br/cinema/walle

Em DVD:
Ratatouille (Idem) – EUA, 2007. 110 min. Animação. Direção de Brad Bird. Com vozes de Patton Oswalt, Ian Holm, Lou Romano, Brian Dennehy. Distribuidora: Buena Vista International. Site:
www.disney.com.br/ratatouille

Cazuza - O Tempo Não Pára – Brasil, 2004. 110 min. Drama. Direção de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Com Daniel de Oliveira, Marieta Severo, Reginaldo Faria, Andréa Beltrão, Leandra Leal, Maria Mariana, Débora Falabella, Maria Flor. Distribuidora: Columbia TriStar do Brasil.

1408 – EUA, 2007. 94 min. Suspense, terror. Direção de Mikael Hafström. Com John Cusack, Mary McCormac, Tony Shalhoub, Samuel L. Jackson. Distribuidora: Paramount. Site:
www.1408-themovie.com

Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

4 comentários:

Tiago Bênia disse...

Aliás, ouvi na CBN que Wall E não era uma boa opção para crianças, já que boa parte do filme não possui diálogos (apenas as tentativas de interação entre Wall E e Eva).

Tudo porque a metáfora e os significados do roteiro não seriam muito atrativos para as crianças, que provavelmente prefeririam Kung Fu Panda.

Abraço!

Rodrigo Alves disse...

Sinceramente, Tiago, acho esse toque da CBN uma bobeira. Muitas vezes nós subestimamos as crianças. Fora que o diálogo não é imprescindível para manter a atenção. Escutei um monte de "que bonitinho, mãe" sobre o Wall-E. O panda tem o atrativo de prezar pelo humor, quase sempre infalível com qualquer tipo de público.

Tiago Bênia disse...

E o Cazuza?

Não vi o filme. Mas uma produção pautada pela mãe, é suspeita. Com um monte de histórias que correm sobre ele (algumas verdadeiras e outras folclóricas), confesso que nunca me senti estimulado a ver o filme.

Melhor colocar um CD. Ou DVD musical.

Abraço!

Anônimo disse...

Olá meu caro, coincidencia ou nao, temos o mesmo nome e sobrenome. E pelo jeito militamos no mesmo campo. Me chamo Rodrigo Alves, moro em Piracicaba, e trabalho como reporter de cultura no Jornal de Piracicaba.
Entre no meu blog: www.dandonota.wordpress.com