quarta-feira, 21 de novembro de 2007

 

A moderna relação entre fantasia e realidade

Obras no circo, cinema e literatura mostram como a mistura entre os dois mundos ainda fascina adulto e crianças

Por Eduardo Sartorato

Os gêneros realidade (drama) e fantasia sempre estiveram condenados a viver separados, seja no catálogo de espetáculos cênicos ou nas prateleiras da videolocadora. Historicamente tramas de fantasia eram reservadas para crianças e não despertavam o interesse da maioria dos adultos, que preferiam narrativas mais sérias, dramas, quanto mais ultra-realistas melhor. Ultimamente, porém, podemos verificar exemplos de integração realidade-fantasia que estão impressionando o público e atraindo cada vez mais a atenção das pessoas, principalmente adultos.

Circo - O sucesso dos espetáculos circenses do Cirque Du Soleil (na foto, o espetáculo Alegría em cartaz no Brasil)talvez possa ser explicado por esta nova tendência. O ponto positivo dos canadenses é que trazem para debaixo da lona a mistura do circo com o teatro. O tradicional picadeiro é transformado em um grande palco e este vira o ponto central de uma nova realidade. A qualidade de maquiagem e figurino dos artistas é a principal característica para que isto seja de fato concretizado. A decoração e o jogo de luzes são outros fatores que impressionam.

Além disto, todo palhaço, trapezista e, até mesmo, assistentes que sobem ao palco possuem a sua função na trama. Os assistentes de palco são caracterizados de forma invejável. No meio do espetáculo, os artistas quebram a barreira que existe entre palco e público e buscam estabelecer um diálogo com quem está assistindo. Isto não é novidade. O que impressiona é que o “novo mundo” de fantasia está tão bem montado a sua frente que quando eles ultrapassam as fronteiras e passam a se deslocar no meio de todos, criam uma interação forte entre fantasia (artistas) e realidade (público).

É a grande sensação. Para se ter idéia do tamanho deste efeito, enquanto eles estão apenas no centro, cumprindo o seu papel de espetáculo, o show não parece real. Dá a impressão que o público está assistindo a uma televisão gigantesca.

Cinema - O filme mexicano O Labirinto do Fauno (foto ao lado) também consegue traçar bem a relação entre realidade e fantasia. E surpreende. Vencedor de três Oscar (direção de arte, fotografia e maquiagem), além de outros prêmios pelo mundo, conta a história de uma um menina (Ofélia) que adora contos de fadas, mas precisa mudar para a casa de um cruel capitão no meio da trágica e real Guerra Civil Espanhola. Percorrendo os jardins da casa, ela encontra um labirinto e, com ele, todo o mundo da fantasia.

No centro existe um Fauno que lhe oferece a entrada em uma outra realidade, onde ela, em uma vida passada, foi rainha. O mundo parece ser um paraíso e a oferta de lugar ao trono é tentadora. O impressionante na obra do diretor Guillermo del Toro é a profundidade que ele apresenta a guerra e a naturalidade que o mundo fantasioso de Ofélia se encaixa no meio da trama sangrenta. Aliás, o sangue, a tortura e a violência são temas muito explorados, o que lhe tira totalmente qualquer caráter infantil.

Mesmo assim, há um mundo todo mágico, cheio de criaturas mitológicas que entram e saem da realidade, dependendo das ações de Ofélia. Isto não tira a seriedade do filme, mas o incrementa. Questões como se o Fauno é ou não honesto, e se o capitão vai ou não descobrir os traidores infiltrados em sua casa têm a mesma importância na trama.

Literatura - Esta forma de mistura entre realidade e fantasia é – no mínimo – nova em comparação com outras histórias de sucesso nos últimos anos. Em O Senhor dos Anéis, o mundo de Tolkien não possui qualquer relação com a realidade, a não ser nas várias morais e alegorias que a história representa.

Já no multimilionário sucesso de J.K. Rowling, Harry Potter, existe a clara divisão entre o mundo dos bruxos e o mundo dos trouxas (quem não é bruxo), mas este último não possui grande interferência na história. Em As Crônicas de Nárnia – O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, adaptado ao cinema há pouco tempo, o guarda-roupa faz a grande função de dividir e manter bem afastados o mundo real e o mundo fantasioso.

Este amadurecimento nas histórias e/ou espetáculos mostra que o real e o imaginário podem muito bem conviver juntos. Além disto, apresenta um produto final muito interessante. A boa mescla entre realidade e fantasia cria algo aparentemente inatingível para estes dois gêneros.

Mais do que isto, está conquistando platéias e o respeito de críticos especializados. Prova que a fantasia pode ser muito bem tema adulto e, ao mesmo tempo, encantar o público, nas suas diferentes formas. Tanto em um espetáculo caro, longe de sua casa, quanto em um DVD, que pode ser alugado por alguns reais logo ali na esquina.

Eduardo Sartorato é jornalista

Nenhum comentário: