sábado, 1 de dezembro de 2007

 

Vende-se cultura, sim senhor

Consultora especial da ONU em Economia Criativa, Ana Carla Fonseca Reis diz que é possível transformar bens culturais em lucro

Por Hebert Regis

O baixo investimento em cultura e os altos custos do setor, principalmente em novas tecnologias e mão-de-obra, desencadeiam a informalidade da área cultural no Brasil. Os últimos números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o setor cultura abrange 5,2% das empresas, com 4% de funcionários registrados, com média salarial de 5,1 salários mínimos mensais.

Os bens culturais são responsáveis por 4,4% da despesa familiar mensal. Isto ainda é muito pouco. É o que aponta a consultora especial da ONU em Economia Criativa, Ana Carla Fonseca Reis (foto). Para ela, países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, estão atrasados na transformação dos bens culturais em negócio.

Das iniciativas de apoio governamental, Ana Carla critica as leis de incentivo à cultura, que percebe a liberalização no uso dos recursos mas sem uma política cultural. Vice-presidente executiva do Instituto Pensarte, Ana Carla Fonseca Reis lançou recentemente seu terceiro livro, O Caleidoscópio da Cultura – Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável.

Economista e mestre em administração pela Universidade de São Paulo (USP), a especialista é curadora da conferência inglesa Creative Clusters e fundadora da empresa Garimpo de Soluções – cultura, economia e desenvolvimento. Na entrevista abaixo, ela aponta caminhos para que o Brasil transforme os seus bens culturais em negócio lucrativo.

Entrevista – Ana Carla Fonseca Reis

Quais bens culturais podem ser transformados em negócio?
A cultura pode oferecer o que pode ter maior potencial de mercado. Existem manifestações culturais que precisam ser mantidas, preservadas e incentivadas, mas que não se dirigem ao mercado. Outras possuem apelo enorme. É preciso fazer um mapeamento. O grande problema, hoje, não é a produção, e sim o canal de distribuição.

Falta conscientização para transformar os bens culturais em negócio?
É ainda uma herança colonial. Não só nossa, mas de vários países. De achar que o que vem de fora é melhor.

O Brasil está muito atrasado em relação aos outros países?
Países em desenvolvimento, de modo geral, estão atrasados. Há o costume de consumir cultura estrangeira e enxergá-la como o que existe de melhor. O que deixa a cultura local relegada. Nos últimos cinco anos, há um florescer dessa discussão. As pessoas começam a valorizar aquele pulôver da vovó, feito à mão. Esta mudança afeta todos os setores da produção cultural. O Brasil entrou numa fase de exportar o que é nosso.

Qual o caminho para que bens culturais transformem-se em bens econômicos?
As novas tecnologias têm papel importante na distribuição, em especial no mercado estrangeiro. Com elas, precisa-se rever a rigidez da lei de direitos autorais, que limita o acesso à produção cultural. Ao invés de dizer quer todo mundo só pode copiar ou fazer referência à produção cultural, com uma autorização, o próprio produtor cultural deveria decidir se quer ou não disponibilizar o produto de forma gratuita. Esta é a grande discussão do momento. Artistas já apóiam a liberação parcial, porque senão ninguém consome nada. Não dá para comprar apenas um CD de R$ 30 para ouvir apenas uma música. As novas tecnologias vieram para subverter positivamente este modelo.

Como analisa a distribuição cultural no Brasil? O apoio deve vir do governo, da sociedade civil ou do empresariado?
O governo em si é sempre uma caixinha de surpresas. Nunca se sabe quais serão as prioridades e se os projetos terão continuidade. Os programas mais bem sucedidos acabam sendo uma parceria entre os entes públicos, privados e sociedade civil. O que não impede a mobilização somente da sociedade civil. Associações, instituições financeiras, com a concessão de créditos mais voltados para o empreendedorismo do que para o mecenato, ajudariam a fortalecer o negócio cultura.

Há um abuso na liberação de recursos na área cultural, principalmente com as leis de incentivo?
Até poderia existir, se fosse um abuso mais bem pensado. Quando vemos leis de incentivo como hoje existem no Brasil, principalmente federais [Lei do Audiovisual e Lei Rouanet], percebe-se uma liberalização de recursos sem objetivos de política cultural. Não há casamento entre investimento e resultado. As comemorações de recordes contínuos de investimentos das leis de incentivo é similar ao do doente que comemora o fim da caixa de remédio, sem saber se está curado. O que isto traz para a nossa cultura?

Há outras formas de incentivo à produção cultural?
Existem várias formas de financiamento e subsídio que o Brasil pratica pouco. Há, por exemplo, subsídios diretos aos artistas. Na Irlanda, artistas de arte contemporânea não pagam imposto de renda. Por que ao invés de pensar na produção, não se investe na pessoa? Meia-entrada não deixa de ser subsídio (que hoje está deturpado). O objetivo é nobre: fazer com que quem não tem condição tenha acesso. Existem taxas, cotas de veiculação de música, muitas maneiras de incentivo. O brasileiro precisa utilizar sua propalada criatividade para encontrar soluções adequadas ao nosso contexto.

Hebert Regis é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Foto: Divulgação

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