quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

 

Sorriso como remédio

Para abrir 2008 conheça a história de Luzianira Campos, voluntária do Hospital das Clínicas de Goiânia

Por Hebert Regis

O azul das paredes reforça a sobriedade. De longe, as árvores circundam o quarteirão do Hospital das Clínicas (HC) de Goiânia, como se quisessem protegê-lo. Além das árvores e dos sentimentos que permeiam o ambiente do hospital, uma reforma na parte interna modifica a paisagem. Dentro concentra-se uma multidão apressada, sempre com uma queixa, seja de dor ou da espera para o atendimento. É sempre na agonia que as verdadeiras reações se afloram.

Nas mãos de médicos e enfermeiros a cura pode estar dentro de um frasco ou em cartelas de medicamentos. Só que naquele momento, os profissionais parecem desconhecer uma solução apaziguadora para os olhares perdidos, que buscam compaixão, ou mesmo, uma palavra consoladora. Já para Luzianira da Cruz Montes Campos (fotos) o remédio está além das cientificidades dos laboratórios.

É algo que não se encapsula, não se aprende na faculdade, e não se mensura por meio de instrumentos analíticos. De estatura baixa, no máximo 1,55 metro, quadril largo e rosto rechonchudo, ela parece crescer ao subir o pequeno degrau. O Sol, ainda brando por causa das nuvens, ilumina a sua camisa de estampa preta, mas manchadas pelos coloridos azuis e amarelos.Apesar de andar um quarteirão para chegar ao hospital, o coque feito em seu cabelo, já uniformemente grisalho, está intacto.

Mesmo com o vento que se abate naquela manhã nublada, ela anda graciosa, sem pressa, observando todos os detalhes, sempre com um sorriso no rosto, como se compartilhasse aquele momento com aquelas pessoas que estavam no corredor. Azar daqueles que não percebem as sutilezas do seu sorriso, um grande remédio para a alma. Se pudesse transparecer o momento de forma física, diria que em volta dela, uma luz com combinações de azul claro e amarelo fogo transcende por onde passa.

Voluntariado - Já no rol de entradas dos ambulatórios, ela agora vira onde a seta indica o nome voluntariado. Luzianira entra no pequeno corredor; continua devagar, com a experiência de quem já passou por tudo. As janelas abertas dos ambulatórios que dão para o corredor não a atrapalham. Olha em volta, vê salas com aparelhos de medir pressão, maca e mesa vazias. Desvia o olhar e segue em frente. A cena se repete nas outras duas janelas, também abertas, por onde atravessa. O silêncio só se quebra com um burburinho de um lugar ainda não identificado.

Na última sala do corredor, a senhora abre a porta por onde entra sempre uma vez na semana, sempre às quartas-feiras. O que se repete há cinco anos. Com os seus bordados a tiracolo, Luzianira finalmente adentra a sala do voluntariado. Saia azul até os joelhos e uma sandália marrom com um pequeno salto, talvez com uns dois centímetros, completam o visual desta bordadeira de mão cheia. Assim também estavam as suas mãos com um bordado ainda por terminar, que também segurava as linhas de crochê.

Como os seus bordados, a sala do voluntariado do HC também desconhece a uniformidade e os padrões. Um pouco maior que um quarto de seis metros quadrados, as suas paredes são brancas, assim como os dos ambulatórios vistos por Luzianira, mas o mosaico de cores e formas se completa com as roupas, de todas as tonalidades, doadas para serem vendidas nos oito bazares realizados durante o ano, geralmente em datas especiais. Destes eventos, é de onde o Voluntariado do HC tira a sua receita para ajudar os pacientes do hospital.

Luzianira senta e começa a bordar. Ao mesmo tempo, não deixa de prestar a atenção em quem entra na sala. Experiência demonstrada não apenas pelas rugas, mas pela calma que conduz a voz e os gestos, nunca bruscos. Veloz só a forma como entrelaça as linhas vermelhas no pano que vai formando pequenas rosas. No momento, estavam mais duas pessoas na sala, ambas cuidando dos adereços para a festa de fim de ano da instituição. Mas os seus ouvidos conseguiam captar os rangidos das portas, sempre seguidos de uma virada de cabeça.

Do sofrimento à doação - Voluntária desde os 17 anos, quando ajudou o Congresso Internacional Religioso e morava no Rio de Janeiro, Luzianira sempre fez trabalhos voluntários. “Sempre ajudei muito. E faço com o coração.” Não havia um motivo pré-estabelecido. Era só a vontade de ajudar. Uma atitude positiva não só em relação aos outros, mas à vida. De miss em Santa Helena, sua cidade natal no interior goiano, aventurou-se ao Rio de Janeiro, quando chegou aos 16 anos.

Depois foi para Brasília trabalhar na área de telemarketing. Em seguida se estabeleceu em Goiânia. Ajudava de forma esporádica, apenas com doações de alimentos e roupas. Nos últimos anos ela intensificou a sua doação ao movimento voluntário, quando o esposo morreu há seis anos de cirrose. “Nós andávamos por estes hospitais, e acabei conhecendo o trabalho do hospital das clínicas. Só depois fui conhecer os outros lugares”.

Pelas manhãs, Luzianira trabalha como voluntária em quatro instituições diferentes. Além do voluntariado do HC, também ajuda com os seus bordados o Grupo Nossa Senhora Auxiliadora e a Associação Goiana dos Diabéticos. No Hospital Araújo Jorge, também de Goiânia, distribui alimentos aos pacientes. Em todos estes locais, ela trabalha em média quatro horas semanais. Às tardes se ocupa com a máquina de costura, de onde ajuda com o sustento da casa.

Mas sempre lembra de produzir peças para o voluntariado. Já que o período de quatro horas, como ela mesma diz, é insuficiente para que possa produzir as peças. Ela vai sempre a pé aos locais, que não são tão distantes do seu apartamento que divide com a filha.

A osteoporose e a hipertensão não a impede de realizar seus afazeres, incluindo as idas aos trabalhos voluntários. Ao contrário, o trabalho voluntário ajuda a envelhecer de maneira ativa. O National Institute of Aging, uma entidade norte-americana, demonstrou recentemente que a atividade do voluntariado produz um bem que ultrapassa a fronteira do psíquico e chega à estrutura do próprio corpo.

Bem-estar - Em resultados práticos, isto quer dizer que as aquelas pessoas acima de 60 anos que fazem atividades voluntárias apresentam maior queima de calorias, 40% superior, do que os idosos que praticam exercícios regulares. A atividade do voluntariado também proporciona sensação de bem-estar, protege contra a ansiedade e a depressão, estimula a energia, ajuda a viver mais, eleva a auto-estima relacionada com maior acesso social, uso dos conhecimentos e sensação de ser útil a alguém.

Com o voluntariado, os idosos mantêm-se socializados, além de fazer atividades no momento em que se deslocam para ir ao local onde são voluntários. Para Luzianira, o sofrimento depois da morte do companheiro transformou-se em uma filosofia de vida que desrespeita a idade, sexo ou status social. O espírito da solidariedade, que há de se ressaltar, é muito mais do que dar esmola a quem necessita ou fazer algum tipo de doação durante os dias das crianças ou Natal. É ter coragem suficiente para doar uma parte do seu tempo.

Apesar de todos os problemas do dia-a-dia, o voluntariado caracteriza-se como uma ação ao outro. Quando pessoas param e refletem, não apenas sobre si, mas sobre o mundo.

Hebert Regis é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Fotos: Paulo José

Um comentário:

Hebert Regis disse...

Daqui a pouco a Helen posta para dizer que não tem dinheiro para imprimir ou paciência de ler... Brincadeirinha Helen... eeheeeehheh.
Rodrigo, muito obrigado pelo espaço. Fazia tempo que não relia este texto. Já penso até em escrever outras histórias. Acho á estou até enferrujado. Abraço e feliz 2008.