sábado, 27 de outubro de 2007

 

A crítica sem arte

Críticos de arte se perdem diante dos rumos que a arte contemporânea vem tomando nos últimos anos

Por Erika Lettry

Mário Pedrosa foi, de acordo com as palavras do escritor Ferreira Gullar, o fundador da moderna crítica de arte no Brasil. Entusiasmou-se na década de 50 com a arte concreta – que para ele exprimia uma linguagem pictórica comum a todos os povos –, em oposição à arte modernista brasileira, voltada para os temas nacionais. Porém, quando morreu (em 1982), sua visão estética tinha mudado radicalmente. Decepcionado com os rumos da vanguarda, dizia que seu artista preferido era Matisse, porque pintava para dar prazer às pessoas. Além disso, talvez por não se enxergar mais como “filho do seu tempo”, deixou de se considerar crítico de arte.

Pedrosa não foi o único a se julgar como alguém incapaz de acompanhar as mudanças de sua época. Críticos, público e artistas (na verdadeira acepção da palavra) também sentem enorme dificuldade em apreciar a “arte” que vem se desenhando nos últimos anos. No caso de Mário Pedrosa, o que antes ele considerava como exercício experimental da liberdade acabou transformando-se em desapontamento com suas próprias expectativas em relação à vanguarda. De repente, usando como argumento a trágica história do século 20 (genocídio, regimes totalitários), os artistas começaram a imprimir uma visão negativista a seus quadros. Unir prazer à arte gerava uma espécie de culpa, ao mesmo tempo em que produzir obras duradouras parecia um contra-senso, frente à fugacidade dos novos tempos. O humanismo deixou de nortear os ideais da classe, cedendo espaço ao pessimismo e ao nonsense.

O resultado de tais mudanças na arte é que, também o papel do crítico, se alterou significativamente. Não é exagero dizer que o crítico se perdeu em meio ao discurso desses novos “artistas”. As idéias destes se consolidaram, ganharam os espaços públicos, as exposições, os museus, os jornais e revistas, encaminhando todos a uma era do absolutismo artístico. Criticar negativamente a “arte” que se produz hoje virou sinônimo de falta de comprometimento com o presente. Da mesma forma, contestar tornou-se tarefa quase exclusiva dos “artistas” que, mesmo produzindo algo distante do que se entende por arte, rejeitam aqueles que não apreciam o que produzem, reduzindo o espectador desavisado a retrógrado, quando não ignorante.

Por mais inconsistentes que sejam seus argumentos, o que se vê é uma aceitação passiva do discurso (ou da falta de) desses pretensos artistas. O filósofo Jacques Leenhardt diz que a crítica deve partir da evolução das próprias artes, da atitude dos artistas ou daquilo que se poderia chamar de “consciência de si como artista” e, por fim, da evolução do público de arte. Se a crítica foi reduzida à mera reprodução do discurso do artista, é porque não consegue se posicionar em relação àquilo que vê. Tal como a arte perdeu o sentido, a crítica se estagnou. A arte tomou rumos indesejáveis, e nisso poucos querem crer. Criou-se especialmente uma confusão acerca do que é artístico, o que é estético e o que simplesmente nada representa. O crítico mal consegue sair desse impasse, que dirá extrair da obra algo a dizer.

A princípio, cabe ao crítico o papel de reformular, por meio da linguagem, aquilo que viu. Ele deve apreciar a cor, a intensidade, a tonalidade, a linha da obra. Mas a verdade é que muitas vezes o que se vê nas exposições são obras não artísticas, e o crítico de arte tentando falar sobre elas! Uma contradição que não se explica. O que deve ser posto pelo crítico, em primeiro lugar, é se o que se fez é artístico ou não. Só daí ele pode partir para uma valoração.

Antes de partir para essa etapa, o crítico deve compreender a obra, interpretá-la. Para chegar ao ponto de analisá-la, ele passa antes por uma série de etapas essenciais, que servirão para sedimentar o juízo. Impõe-se aí o dever do crítico especializado em buscar a universalidade, a objetividade, a unidade de juízo.

No jornalismo cultural a leitura de uma obra é sempre reclamada pelo público que, na impossibilidade de conferir todas as novidades artísticas, vêem nela uma forma de adquirir conhecimentos. Além, é claro, de se informar sobre a recepção que a obra está recebendo de todos os segmentos da sociedade. Ou seja, o discurso que o crítico propaga, não raro, é absorvido pelo público, dando continuidade ao senso-comum. No jornalismo cotidiano a questão se agrava ainda mais. Muitas vezes o jornalista sequer tem tempo de conferir a obra, fiando-se em matérias pré-produzidas e deixando de lado sua função crítica.

É difícil dizer para onde caminha a crítica de arte brasileira. Mas, com a crescente simplificação da imprensa, as questões que envolvem o jornalismo cultural (entre elas estão o jabá), a falta de uma consciência do que é artístico e a aparente vitória do discurso dos pretensos artistas, pode-se imaginar um futuro cada vez mais desanimador para ela. O que não impede de sonhar com dias melhores.

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu