domingo, 3 de agosto de 2008

 

Época da inocência

Por Erika Lettry

O escritor inglês Ian McEwan tornou-se conhecido do grande público pelo livro Reparação, adaptado recentemente para o cinema pelo diretor Joe Wright. Ganhador de vários prêmios e já considerado um dos nomes mais importantes da literatura atual, é daqueles autores que sabem mergulhar com profundidade na alma de seus personagens. Como ocorre no romance Na praia, publicado no ano passado.

A obra conta a história da fracassada lua-de-mel dos jovens Edward e Florence no início da década de 60. Ian McEwan descreve como a criação conservadora e moralista que receberam irá influenciar o destino do casal. Logo no primeiro parágrafo ele dá o tom do livro: “Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite, sua noite de núpcias, e viviam num tempo em que conversar sobre as dificuldades sexuais era completamente impossível”.

Edward, após várias tentativas de ter mais intimidade com a amada durante o namoro, espera finalmente a consumação do ato. Na contramão Florence, embora sinceramente apaixonada, teme a primeira noite e sente uma certa repulsa pelo marido. Ian McEwan narra até os pequenos fiapos de pensamento dos dois, revelando suas contradições, medos, desejos e inibições. Tudo com sensibilidade e sofisticação.

A dificuldade de Edward e Florence em falar abertamente sobre suas angústias em relação ao sexo marcam o último capítulo de uma época de “inocência”, que seria precedida pela revolução sexual de 1968 - para surpresa de Edward. A beleza do trecho final, distante dos finais felizes, arremata a ótima obra do autor inglês.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

 

Jovino e a onça

A incrível história do calunga guia na Chapada dos Veadeiros sobre a felina que come gente

Por Rodrigo Alves

Seu Jovino não é do tipo que se incomoda com longas distâncias. Especialmente se forem percorridas a pé. Ele nasceu Josino Faria da Silva, mas para não confundí-lo com a irmã Josina, os amigos alteraram o nome.

Jovino veio ao mundo há 62 anos em uma pequena comunidade calunga (descendentes de africanos em locais isolados de Goiás) .

Chamado Vão de Almas, o local é distante a cerca de 80 Km da pequena Calvalcante (GO), que por sua vez fica a 520 km de Goiânia, nordeste goiano.

Para se chegar lá é preciso andar léguas, como ainda dizem os calungas. Primeiro de carro (com tração 4x4), depois em lombo de burros. Por fim, à pé. Leva-se um dia inteiro.

Graças aos tempos, Jovino vive atualmente em Cavalcante. O conheci graças à profissão que exerce hoje, guia naquela porção da Chapada dos Veadeiros. “Eita, já levei vida muito difícil. A gente andava descalço no meio dessas matas. Criava casca no pé”, lembra ele, ex-lavrador.

Hoje, quando entra na mata é para guiar turistas. A maioria só conhece a porção da chapada situada no município de Alto Paraíso e recentemente tem descoberto também a região.

Há pouco mais de cinco anos, Jovino se empenhou em ser guia nas trilhas turísticas. Fez curso de primeiros socorros em Goiânia e passou a conhecer mais sobre a história da região. É considerado o melhor guia de Cavalcante. Se algum dia você tiver oportunidade de encontrá-lo, peça-lhe para contar histórias da onça.

Come sim – “O pessoal do Ibama diz que onça não come gente. Que não come que nada. Deixa ela ficar com fome pra ver”, desafia, em seu tom brincalhão e risonho. Caminhando à frente do grupo que faz a trilha, Jovino percebe que a turma se interessa pelo assunto. Não perde a oportunidade e nem o fôlego para contar a história.

Uma pegada deixada pela danada logo à frente nos surpreende. Por ali é a onça-pintada a dona do pedaço. A informação inspira medo em alguns andarilhos. “O que?! Passa aqui?”. Sorriso maroto, chapéu calmamente reajeitado e Jovino não perde o pique.

“Podem dizer o que quiser, mas eu não confio que ela só come bicho.” Nossa atenção é a de netos prestes a escutar a história da avó. Estávamos sem ar diante de tanta subida, mas fomos esquecendo o mal-estar.

À tarde - Contam por aí, que no fim de uma tarde uma senhora calunga saiu rumo a uma pequena plantação ali por perto. Foi apanhar açafrão, aquele que tempera a comida. “A véia começou a fazer um montinho do lado da plantação. Tinha Sol ainda”, conta Jovino. Com paciência e pausas, emenda: “Nem era noite ainda, sabe? E a onça só sai tarde da noite. Então a véia foi despreocupada.”

“Naquele dia não sei o que aconteceu”, completa. “A onça devia ter passado noite sem caça”, arrisca. Passado um tempo, o sumiço da velha começou a preocupar. “A filha deu por falta. A madrugada entrou e nada.” A suspeita era de que algo pior acontecera. “Pensaram certo. No outro dia foram procurar.”

No local onde a calunga amontoara o açafrão, havia um rastro de sangue. Nenhum outro sinal de ataque, porém. Mas não tardou para vir confirmação. “Nunca encontraram o corpo”, diz o calunga em tom sério, mas sem demonstrar tratar-se de uma conhecida. “A única coisa que conseguiram achar foi o pé da véia”, fala, ao risos.

Com açafrão – Em meio às caras perplexas, nosso guia percebe o total interesse pela história. Percebo que se satisfaz. Muitos não se dão conta de que conseguimos subir boa parte da trilha. Sem notar o desconforto físico, sem reclamar. O interesse continua. Pelo caminho encontramos mais pegadas da bichana.

O medo inicial de alguns de sermos atacados em plena luz do dia aos poucos se dilui. “Ela só sai realmente de noite”, afiança Jovino com seu marcante sorriso maroto. A esta altura nossos passos já estão mais leves e o guia, satisfeito. Sobra até espaço para uma piadinha infame.

“A onça é esperta, sabia seu Jovino?”, brinca um dos andantes. “Ah, é? Por quê?”, retruca ele, com cara de pimpão, imaginando a resposta acompanhada dos risos inevitáveis. “É que ela já comeu a velha temperada”.

domingo, 27 de julho de 2008

 

Quando o singelo se torna o melhor

Em um fenômeno recente, animações surpreendem pela qualidade, batendo muitos roteiros vividos por gente de carne e osso

Por Rodrigo Alves

Um fenômeno tem se tornado grata surpresa na indústria cinematográfica nos últimos anos. Não é raro encontrar boas animações que se destacam pela apuração das temáticas sofisticadas em seus roteiros, ainda que continuem prioritariamente voltadas para crianças, assim como tem sido desde o surgimento do gênero.

Um exemplo recente é Wall-E (foto em destaque), feita em parceria entre a Pixar e a Disney, que desde o sucesso estrondoso de Shrek (EUA, 2001), da concorrente DreamWorks, acordou de vez para o fato de contos de fadas, que prezam pelo politicamente correto como Cinderela (EUA, 1950) e companhia, estão obsoletos.

Wall-E, em sua primeira terça parte, conseguiu o que o protagonista Will Smith e o diretor Francis Lawrence não conseguiram na refilmagem de Eu Sou a Lenda (EUA, 2007): passar de maneira sensível, sem pieguice, o drama do tema, no caso a solidão.

O robozinho Wall-E, por paradoxal que seja, é a melhor expressão humana do que é se sentir sozinho. De quebra ainda ganhamos com uma trilha sonora sofisticada, que inclue entre outros presentes uma bela interpretação de La Vie En Rose de Louis Armstrong.

Um observador mais atento dos ambientes das salas de cinema poderá notar que a imagem de um adulto que carrega várias crianças (da família, do vizinho, do casal amigo) está rara. Cada casal tem levado seus filhos. Surpresa maior é quando o casal está sem crianças, isto é, não usou nem a desculpa de serem meros acompanhantes.

Antenados - A explicação é que os roteiros são cada vez mais pensados para atender todas as faixas etárias. Haveria uma infantilização do público? Não. Assim como os filmes cult-pop, que com suas questões existencialistas conjugadas às imagens de tirar fôlego atendem aos exigentes em relação ao conteúdo e aos que querem só diversão, essas animações investem em questões caras e íntimas a qualquer ser humano.

Uma das possíveis causas desse fenômeno refere-se ao fato de que diretores/autores têm, ou julgam ter, mais domínio sobre suas criações e sentem-se livres para ousar mais. Moldados às suas conveniências, personagens virtuais atingem maior grau em suas exigências (esbarrando somente na limitação tecnológica). Exagero à parte, nesta toada logo poderemos brincar que atores de carne e osso que se cuidem.

Comparação - Só para efeito de análise, se permitem, vou comparar a animação Ratatouille (segunda foto), também da Pixar/Disney, dirigido por Brad Bird; o nacional Cazuza – O Tempo Não Pára (terceira foto), dirigido por Sandra Werneck e Walter Carvalho; e o suspense 1408(quarta foto), dirigido por Mikael Hafström.

Com um orçamento e uma estrutura à altura de Titanic (EUA, 1997), de James Cameron, 1408 é uma adaptação famigerada da obra do escritor esquisitão Stephen King. Todo a produção esmerada e os efeitos especiais são pouco perto do roteiro que tem uma narrativa pobre e cheia de clichês e traz uma apagadíssima atuação de John Cusack, protagonista.

Cazuza tem um nível intermediário. Descontando a pequenez do orçamento de cinema nacional perto do hollywoodiano, ele promete mais do que realmente poderia. Trata-se de uma obra pouco ousada, que restringe-se à narração cronológica, que explora pouco as nuances de seu personagem biografado e o visa de maneira romantizada demais. Seu trunfo é a ótima atuação de Daniel de Oliveira como Cazuza.

Mas é Ratatouille o melhor. Destaca-se entre os três porque dele nada se espera. A princípio é mais um filme sobre ratinhos humanizados. Aproveitando-se disso, porém, discute a questão da auto-estima e mostra que no mundo moderno qualquer um tem potencial para ser o que quiser. Surpreende mais ainda por fugir de um desfecho óbvio e por se atrever a fazer poesia visual em certos momentos. Ponto para a animação.

Serviço

Em cartaz em todo o País:
Wall-E (Idem) – EUA, 2008. 97 min. Animação. Direção de Andrew Stanton. Com vozes de Ben Burtt, Elissa Knight, Jeff Garlin, Sigourney Weaver. Site:
www.disney.com.br/cinema/walle

Em DVD:
Ratatouille (Idem) – EUA, 2007. 110 min. Animação. Direção de Brad Bird. Com vozes de Patton Oswalt, Ian Holm, Lou Romano, Brian Dennehy. Distribuidora: Buena Vista International. Site:
www.disney.com.br/ratatouille

Cazuza - O Tempo Não Pára – Brasil, 2004. 110 min. Drama. Direção de Sandra Werneck e Walter Carvalho. Com Daniel de Oliveira, Marieta Severo, Reginaldo Faria, Andréa Beltrão, Leandra Leal, Maria Mariana, Débora Falabella, Maria Flor. Distribuidora: Columbia TriStar do Brasil.

1408 – EUA, 2007. 94 min. Suspense, terror. Direção de Mikael Hafström. Com John Cusack, Mary McCormac, Tony Shalhoub, Samuel L. Jackson. Distribuidora: Paramount. Site:
www.1408-themovie.com

Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

domingo, 20 de julho de 2008

 

Existencialismo e ação do homem-morcego

Batman está mais sombrio que com Tim Burton há 20 anos e deve isso em parte à atuação memorável de Heath Ledger como Coringa

Por Rodrigo Alves

Destruição. Batman, desta vez, conhece o sentido mais íntimo e profundo desta palavra em O Cavaleiro das Trevas. Uma força que leva até as últimas conseqüências aquilo que crê como justificativa de sua existência. É Coringa, o vilão da série que mais bem se encaixa na antagonia com o herói. “Eu sou o caos”, define-se o próprio personagem.

Ele personifica a forma de anarquizar a ordem da maneira mais temível. Há muito tempo não se via no cinema uma composição de personagem que despertasse nossos medos mais íntimos, nem mesmo em filmes de suspense ou terror. Que fizesse aflorar em nós e nos obrigasse a encarar da maneira mais crua o que mais tememos: o desejo íntimo pela violência e auto-destruição. Coringa o é de maneira inabalável.

Heath Ledger, que dá vida ao personagem, está diante de seu melhor papel. Bate mesmo o seu quase insuperável Ennis Del Mar, de O Segredo de Brokeback Mountain. Não há como não reforçar os elogios repetidos a essa composição feita por ele (o ótimo Jack Nicholson que desculpe, mas perdeu o posto de melhor).

Voz, trejeitos, um jeito desconcertante de ajeitar a saliva na boca, tudo faz que Ledger roube o adjetivo de excepcional que, em Batman Begins (2005), coube a Christian Bale como o personagem-título. O protagonista continua muito bom, mas perde a cena. Nesta segunda parceira com o diretor Christopher Nolan, Bale encarna um Batman (ou Bruce Wayne) que, dois anos depois do surgimento, vive sua primeira crise existencial.

Fardo - É a primeira vez que o homem-morcego sente o fardo de carregar a máscara negra. A pecha de herói foge dos limites do suportável. E mais: nem é reconhecido como tal, já que um novo promotor público, de rosto conhecido, assume o posto de paladino de Gotham City.

Originalmente, O Cavaleiro das Trevas é o nome da minissérie mais cultuada do personagem em gibi. Um trabalho soturno e denso de Frank Miller que apresenta o herói no auge dos 60 anos de idade, de volta à ativa após um longo período afastado, mas que tem de encarar uma realidade diferente da que vivia antes.

No gibi, antes os heróis eram vistos como algo benéfico aos cidadãos de Gotham. No filme, agora, a situação é a mesma. Os criminosos, no entanto, têm muito a temer. Com a ajuda do Comissário James Gordon (Gary Oldman) e do promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart, outra atuação memorável) - que depois se tornará o vilão Duas Caras -, Batman luta contra o crime organizado que passa a ser comandado por Coringa.

Da direção de Christopher Nolan, nasce mais um representante do tipo de filme que tem ganhado espaço na indústria cinematográfica: o cult-pop. Ou seja, aquele que eleva ao êxtase visual tanto os mais interessados em se divertir e ver cenas arrasadoras quanto satisfaz os mais preocupados em discutir questões existenciais.

Excelência - Para completar a excelência da obra, um elenco formado pelos competentíssimos Michal Caine (Alfred, o mordomo inseparável), Morgan Freeman (o braço direito nas Indústrias Wayne, Lucius Fox) e a decisão acertada Maggie Gyllenhall (é preciso frisar que ela é melhor que Katie Holmes, substituída como intérprete da destemida advogada Rachel Dawes, par romântico de Bruce).

Tivesse morrido ou não, e descontada a mística em torno disso e o natural marketing que o fato gera, Ledger já teria feito o melhor trabalho de sua carreira até então. A constatação se consolidou em 22 de janeiro deste ano, quando ele morreu de overdose de remédios. Com sua ajuda Batman conheceu sua melhor antítese, um sociopata assustadoramente sem limites, que bem o define: o herói que não é considerado herói. Como diz Gary Oldman, como o Comissário Gordon: “Batman é o herói que Gotham merece.”

Serviço
Filme: Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight) – EUA, 2008. 142 min. Aventura e Drama
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Christian Bale, Michael Caine, Heath Ledger, Gary Oldman, Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhall, Morgan Freeman
Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan, baseado em estória de Christopher Nolan e David S. Goyer e nos personagens criados por Bob Kane
Distribuição: Warner Bros
Em Cartaz em todo o País
Site Oficial: http://thedarkknight.warnerbros.com

Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

domingo, 13 de julho de 2008

 

Vitória da sensibilidade

O diretor Julian Schnabel transforma O Escafandro e a Borboleta em uma obra delicada, que desperta a empatia do espectador

Por Erika Lettry


Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) é um homem dinâmico e cheio de vivacidade. Mas isso só saberemos muito tempo depois do início do filme O Escafandro e a Borboleta. Nas primeiras cenas teremos que nos adaptar, como o personagem, a enxergar tudo de forma diferente.

O plano inicial é o abrir de olhos de Bauby, recém-saído do coma. Imagens difusas dançam diante de si e ele compreende que sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), perdeu a capacidade locomotora e a fala. O que ele restou foi o raciocínio rápido, o sarcasmo e o movimento de um único olho. É munido destas característicias que ele vai ditar o livro que dá título ao filme.

Ao narrar sua história para uma ajudante, que usa um código especial (foto) para se comunicar com ele, saberemos que ele tem 43 anos, era editor da revista francesa Elle, possuía uma dezena de casos de amor mal-resolvidos e via os filhos com pouca freqüência. Após o AVC ele percebe quanto tempo desperdiçou em nome do sucesso e da boa vida.

No início do filme aparece Bauby inconformado com sua situação. A opção do diretor Julian Schnabel de mostrar o ponto de vista do personagem é que torna o filme sensível e garante a empatia do público. Com o tempo Bauby aceita sua condição, esforçando-se para adaptar-se.
Um dos grandes triunfos do filme é evitar a cair pieguice. Para tanto o diretor ressalta o lado bem-humorado do personagem, que consegue fazer piada de si mesmo. Vale lembrar que a história é baseada na história real do jornalista.

Mathieu Amalric faz um trabalho primoroso com Bauby e vale a ida ao cinema. Como deve ter ocorrido com o verdadeiro Bauby, é difícil imaginar que o mesmo ator é responsável por encarnar o editor em suas duas fases da vida. O Escafandro e a Borboleta é, em todos os sentidos, uma pequena obra-prima que merecer ser apreciada.
Serviço
Filme
: O Escafandro e a Borboleta (Le Scaphandre et le Papillon) – França/EUA, 2007. 112 min. Drama
Direção: Julian Schnabel
Elenco: Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Anne Consigny, Patrick Chesnais
Roteiro: Ronald Harwood, baseado em livro de Jean-Dominique Bauby
Música: Paul CantelonFotografia: Janusz Kaminski
Distribuição: Miramax Films / Europa Filmes
Site oficial:
http://www.lescaphandre-lefilm.com/
Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

terça-feira, 1 de julho de 2008

 

Uma trilha para fãs

A trilha sonora de Across The Universe, de Julie Taymor, é melhor que o filme e faz algumas releituras pop da vasta obra dos Beatles

Por Rodrigo Alves

Lembro-me como hoje da primeira que escutei Beatles, sabendo que era Beatles. Digo sabendo, porque desde que me entendo por gente já escutava (e curtia, a meu modo) composições deles. Tinha 9 anos de idade. Foi amor à primeira audição.

Foi com grande surpresa que ao assistir a Across the Univese, da cineasta especialista em musicais Julie Taymor (leia a crítica do filme clicando aqui) reafirmei que os rapazes de Liverpool ainda me tocam e surpreendem. Para compor a trilha sonora que embala a história de amor dos personagens beatlerianos Jude (Jim Sturgess) e Lucy (Evan Rachel Wood), a diretora escalou jovens atores que não são virtuoses do canto mas reinterpretam, com um delicioso tom pop, sucessos do quarteto.

O resultado de algumas destas releituras – que superam em qualidade a narrativa do filme – está em Across The Universe – Trilha Sonora. Entre os destaques estão as inconfundíveis All My Loving (na voz de Jim Sturgess), I Want To Hold Your Hand (T.V. Carpio), Blackbird (Evan Rachel Wood), Hey Jude (Joe Handersen), Let It Be (Carol Wood), Across The Universe (Jim Sturgess), Strawberry Fields Forever (Jim Sturgess) e Lucy In The Sky With Diamonds (por um divertido Bono Vox, que faz pontinha no filme). O álbum fica devendo, porém, pérolas como Girl e All You Need is Love, também presentes no filme.

As versões inseridas neste álbum estão editadas e mais enxutas do que na película, mas em essência demonstram seu espírito: gostinho dos anos 1960 com jeito de anos 2000. Puristas podem estranhar, de início, a roupagem moderna que abusam de sons sintéticos. Mas o tripé baixo, guitarra e bateria continua firme, enriquecido às vezes com orquestra de instrumentos clássicos. Uma roupa pop atualizada não fez mal aos Beatles.

Serviço
CD: Across The Universe – Trilha Sonora
Artista: Vários
Gravadora: Universal
Preço médio: R$ 29,90
Disponibilidade: fácil
Escute e assista: Hey Jude


Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

quinta-feira, 26 de junho de 2008

 

Vínculos apaixonantes

Congo to Cuba, da Coleção Putumayo, mostra a saborosa mistura de ritmos proporcionada pela fusão musical entre Cuba e África

Por Erika Lettry

A exemplo da sonoridade brasileira, cheia de influências da África e de outros países, Cuba sempre trouxe em sua essência os ritmos daquele continente. Esta característica pode ser facilmente identificada no CD Congo to Cuba, que faz parte da coleção Putumayo World Music. O selo explora a multiplicidade cultural de vários lugares do mundo, incluindo o Brasil.

Além do documentário Buena Vista Social Club, que ajudou a divulgar a música cubana nos quatro cantos do mundo, há uma riqueza impressionante de ritmos naquele país. Congo to Cuba é apenas uma amostra.

O disco apresenta uma seleção de músicos notáveis como Chico Alvarez, novaiorquino que ainda criança foi morar em Cuba e incorporou a musicalidade. Congo to Cuba abre com sua música sensual, Val´Carretero, que ele gravou para o selo SAR nos anos 80. Esta canção tem a participação na trombeta do famoso músico Chocolate Armenteiros. Chico Alvarez liderou vários grupos de músicas cubanas nos anos 70 e tinha um programa na emissora WBAI, em Nova York.

Mama Sissoko também representa a fusão Cuba-África no CD com a música Safiatou, inspirada na salsa. Mama Sissoko alcançou a fama quando tocava com o grupo Super Biton de Segou, uma das orquestras mais populares do Mali (país onde nasceu) nos anos 70 e 80.

O destaque do disco, contudo, é Gnonnas Pedro (foto), com a dançante Yiri Yiri Boum. Nascido em Beni, na África Ocidental, ele é considerado um representante legendário da salsa africana. Suas canções são bastante inspiradas nas cubanas e produziu muitos imitadores e apaixonados pelos continentes.

Claro que o disco também traz ritmos mais lentos, como Le Monde Est Fou, interpretada por Balla Tounkara. A música é uma versão de Hasta Siempre, uma homenagem a Che Guevarra, composta por Carlos Puebla. Congo to Cuba é um disco para se ouvir com atenção, estudar os ritmos e, claro, sair a bailar. Afinal, quem resiste à sensualidade desta união?

Congo to Cuba
1-Chico Alvarez. Val´Carretero (Cuba)
2-Mama Sissoko. Safiatou (Guinea)
3-Alfredo Valdés. Canto a La Vueltabajera (Cuba)
4-Gnonnas Pedro. Yiri Yiri Boum (Benin)
5-Tshala Muana. Lekela Muadi (Congo)
6-Balla Tounkara. Le Monde Est Fou (Mali)
7-Laba Sosseh. Son Soneate. (Gâmbia)
8-Monte Adentro. Igualita que Tu (Cuba)
9-Chocolate Armenteros. Ritomo de Mi Son (Cuba)
10-Mama Keita. Tougnato (Guinea)
11-Pape Fall. African Salsa (Senegal)


Serviço
CD: Congo To Cuba
Artista: Vários
Gravadora: Putumayo
Preço médio: R$ 36,90
Disponibilidade: média

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

domingo, 22 de junho de 2008

 

Um casamento, um drama

O filme A Noiva Síria ajuda a entender um dos diversos conflitos do Oriente Médio sob a ótica do sofrimento feminino

Por Rodrigo Alves

A certa altura de A Noiva Síria, o espectador se pergunta: “Por que tudo isso para um simples casamento?”. A falta de entendimento vem especialmente de quem não está inserido no contexto complexo que compõe a conflituosa geopolítica do Oriente Médio.

Neste mês, completaram-se 41 anos da Guerra dos Seis Dias, também conhecida como Guerra Árabe-Israelense de 1967. Nela Israel esteve em combate contra Egito, Síria e Jordânia. Ao final do conflito, o estado judeu capturou Jerusalém, hoje sua capital, o Monte do Templo, West Bank, Gaza e Colinas de Golam.

É neste último local que se passa o filme de Eran Riklis. Lá, além dos colonos israelenses, vivem 22 mil drusos, uma pequena comunidade religiosa autônoma que reside também no Líbano, Síria, Turquia, Jordânia e outras partes de Israel. Estima-se que juntos às comunidades expatriadas nos EUA, Canadá, América Latina, Austrália e Europa somem 1 milhão em todo mundo.

A noiva do título, Mona, é drusa. Seu povo fala árabe e segue modelo social semelhante ao árabe, apesar de não serem considerados muçulmanos pela maioria dos muçulmanos. Em uma definição precisa, eles são monoteístas com elementos islâmicos e cristão-judaicos e assumem a identidade do lugar onde vivem para serem aceitos.

Complicação – No filme, Mona vai se casar com um primo, também druso, que vive do lado Sírio. Ele não pode, conforme a determinação de Jerusalém, pisar nas Colinas de Golam. Eles só se conhecem por foto e assim que ela atravessar a fronteira perderá a identidade natal para nunca mais voltar a ver a família.

A complicação do casamento deve-se ao conflito sobre a região. Israel considera-a sua terra, anexada de guerra, enquanto a Síria, como seu território tomado à força. Hoje, oito anos após o tempo em que se desenvolve o filme (ano 2000), apesar notícias recentes de uma significativa possibilidade da devolução das terras aos sírios, a situação continua a mesma.

Com um jeito simples e tradicional de conduzir a trama, Riklis acentua o drama de Mona, resignação em pessoa, e sua irmã Amal, infeliz no casamento, que titubeia entre se libertar da opressão do marido e seguir as tradições drusas patriarcais. De maneira sensível, os menos acostumados à história do Oriente Médio são conduzidos, sob a ótica feminina, ao entendimento sobre a guerra entre povos que dividem a mesma terra.

Elenco afiado e bela trilha sonora só não fazem A Noiva Síria um filme perfeito porque Riklis esbarra no paradoxo que ele mesmo cria. Ao apresentar personagens e argumento ricos, cria expectativa para um filme maior, que não se realiza. O resultado, contudo, é satisfatório. Uma obra singela, aula humanizada de história sobre um impasse sem fim.

Serviço
Filme (DVD):
A Noiva Síria (The Syrian Bride) – Israel / França / Alemanha, 2004. 97 min. Drama.
Direção: Eran Riklis
Elenco: Hiam Abbass, Makram Khoury, Clara Khoury, Ashraf Barhom, Eyad Sheety, Evelyn Kaplun
Distribuidora: Europa Filmes
Preço médio: R$ 29,90
Site:
www.syrianbride.com

Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

sexta-feira, 20 de junho de 2008

 

A última lição... de vida

O professor americano de ciência da computação Randy Pausch dá um testemunho literário sobre a gratidão por viver

Por Lorena Verli

A vida é um caminho cheio de lições. Talvez a mais difícil de aprender seja dar o seu melhor, sempre, independentemente do que vai receber em troca. Fazer isso é um exercício diário de alma e mente que poucas pessoas conseguem colocar em prática. Mas há momentos em que algo lhe puxa de volta para esse espírito. É o que acontece quando lemos algo como A Lição Final, de Randy Pausch (foto).

Para quem está por fora do assunto, Randy está com câncer terminal. Há poucos meses, enquanto eu recebia a notícia de que seria contratada, ele pegava o diagnóstico de uma metástase. Ainda assim, ele decidiu aceitar o convite para dar sua “aula final” (nos Estados Unidos é comum um professor ser convidado a dar uma aula como se esta fosse sua última da sua vida). Aquela realmente era a última aula de Pausch.

Qual era o seu objetivo com isso? Deixar um legado. “Se fosse um pintor, pintaria um quadro. Se fosse músico, comporia uma música. Como sou professor, decidi dar uma aula”. Seu único intento era que sua mensagem chegasse para as três crianças que vão perder o pai. Por isso, sua palestra não falou sobre a morte e, sim, sobre a vida. Sobre como realizar os seus sonhos de infância.

O livro nasceu dessa palestra. É um testamento do que ele espera de seus filhos: que eles sejam felizes e saibam que, mesmo diante da morte, ele esboçava um sorriso de gratidão para com a vida. Pausch não pode mudar o seu destino. Apenas joga com as cartas que tem. Mas dá o seu melhor nesse jogo. E deixa essa lição para muitos.

Atualização em 28/07/2008:
O professor Randy Pausch morreu no dia 25 de julho de 2008, de câncer, nos Estados Unidos. Ele havia descoberto que tinha a doença no pâncreas em 2007.

Serviço
Livro: A Lição Final
Autor: Randy Pausch
Editora: Ediouro
Preço médio: R$ 34,90
Disponibilidade: fácil

Lorena Verli é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

terça-feira, 10 de junho de 2008

 

Quarteto da moda

Filme revive as histórias das quatro amigas de Nova York que influenciaram a nova geração de mulheres modernas

Por Erika Lettry

O quarteto composto por Carrie (Sarah Jessica Parker), Samantha (Kim Cattrall), Miranda (Cynthia Nixon) e Charlotte (Kristin Davis) mostram em Sex and the City – O Filme (foto) que continua na moda, mesmo após quatro anos do fim da série americana. E como continua! Líder de bilheteria na semana passada, a primeira de exibição nos Estados Unidos, o longa despretensioso diverte e mata as saudades das amigas de Nova York que adoram falar de roupas, sexo e relacionamentos.

Apesar do figurino elaborado por Patrícia Fields ser, mais uma vez, o assunto mais comentado, o filme acerta ao retomar valores importantes disseminados na série. A busca incessante pelo amor e felicidade, a importância da amizade, a dedicação à carreira são alguns dos assuntos abordados em duas horas e meia de duração. Tudo com a pitada certa de sensibilidade e humor.

A direção conseguiu resumir a história de cada uma da trupe logo no início. Até quem nunca assistiu à série consegue acompanhar a seqüência. E rir de algumas situações, por que não? Como resistir ao humor escrachado da liberal Samantha? E às trapalhadas da conservadora Charlotte? O filme comprova o porquê do sucesso da série, que durou seis temporadas, e a necessidade de levá-la às telonas. Com certeza muitas mulheres tinham curiosidade em saber o destino destas revolucionárias. E, claro, aguardavam o tão sonhado final feliz.

Serviço
Filme: Sex and the City - O Filme - EUA, 2008. 148 min. Comédia
Direção: Michael Patrick King
Elenco: Sarah Jessica Parker, Kim Cattral, Kristin Davis, Cynthia Nixon, Chris Noth, Jennifer Hudson
Roteiro: Michael Patrick King, baseado em personagens do livro de Candace Bushnell
Música: Aaron Zigman
Em cartaz em todo o País
Site oficial:
www.sexandthecitymovie.com

quarta-feira, 28 de maio de 2008

 

Riqueza sem alma

Meu Nome é Vermelho, Prêmio Nobel de Literatura de 2006, prende atenção pelo mistério e descrições, mas perde em sensibilidade

Por Erika Lettry

Falar da obra de um ganhador do Prêmio Nobel de Literatura é sempre uma tarefa, no mínimo, espinhosa. O título é impositivo e limitador de crítica. Sempre vale a pena, no entanto, analisar o que está aparentemente consolidado. Como é o caso do livro Meu Nome é Vermelho, do escritor turco Orhan Pamuk (foto).

O autor é uma celebridade literária em seu país, embora pouco conhecido por aqui. Para conhecer seu universo, Pamuk indica começar a leitura justamente com Meu Nome é Vermelho. O livro mostra o eterno embate entre Ocidente e Oriente e é rico em referências históricas, descrições de lendas e detalhes de pinturas. Mas tal como A Misteriosa Chama da Rainha Loana, de Umberto Eco, tanta riqueza intelectual não é capaz de compensar um texto sem alma e sensibilidade, como é o caso da obra de Pamuk.

Embora sua narrativa traga à luz a explicação para as profundas diferenças culturais entre as duas metadas do Planeta, falta empatia à escrita de Pamuk. Meu Nome é Vermelho mais lembra um livro didático que ganha a atenção do leitor como qualquer best-seller, com mistérios complicados e uma trama policial cheia de reviravoltas.

O leitor é apreendido logo no primeiro capítulo, quando um cadáver descreve como foi morto por seu algoz. A curiosidade, e apenas esta característica, empurra o leitor até a última página. Cada capítulo é contado por um narrador diferente. São 19 personagens que descrevem a história, entre eles um cachorro, a cor que dá nome ao livro, o assassino, a árvore, o dinheiro, o cavalo. É este recorte que une o enredo, o que com certeza é um dos maiores diferenciais do autor.

História - Em Meu Nome é Vermelho, às vésperas do primeiro milênio da Hégira, episódio fundador do Islamismo, no século 16, o sultão de Istambul resolve encomendar à sua escola de artistas uma edição única do Alcorão: um livro belíssimo ilustrado pelos melhores mestres miniaturistas. A obra, para despertar a admiração de um Doge da Veneza, precisa seguir os preceitos de uma nova arte que se desenvolvia na Europa: o renascentismo.

A empreitada ousada mostra-se arriscada, pois os seguidores da fé islâmica consideram uma afronta a representação da figura humana. O trabalho deve ser, então, executado secretamente, e um dos mestres ilustradores convoca, para ajudá-lo, seu sobrinho, chamado de "O Negro". A morte de um dos quatro miniaturistas responsáveis pela obra mostra o quão perigosa é a tarefa daqueles que foram incumbidos de terminar a obra do sultão.

Serviço
Livro
: Meu Nome é Vermelho
Autor: Orhan Pamuk
Editora: Companhia das Letras
Preço médio: R$ 63,50
Disponibilidade: fácil


Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

quinta-feira, 22 de maio de 2008

 

Uma saga imperdível

Após 19 anos de espera, trajetória de Indiana Jones não traz novidades e dá continuidade ao estilo, mas promete agradar aos fãs

Por Eduardo Sartorato

O quarto filme do herói-arqueólogo Indiana Jones não apresenta nenhuma novidade aos demais episódios da série. É justamente por isto que será mais um sucesso de bilheteria a partir de hoje, quando entra em cartaz em todo o Brasil. Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (fotos) cativa os fãs mais antigos, que precisaram esperar quase 20 anos para conferir a continuação da seqüência que marcou a história do cinema.

Quem se espremeu nas cadeiras de uma sala de exibição para assistir ao novo filme nas sessões de pré-estréia, realizadas na quarta-feira, 21, certamente saiu satisfeito, principalmente se já havia gostado dos anteriores. A aventura repete a mesma estrutura cinematográfica que os demais sucessos. O que muda é a história. Desta vez, o professor Henry Jones Júnior (Indiana Jones, interpretado por Harrison Ford) enfrenta os soviéticos em busca do "Eldorado", a cidade de ouro perdida que, segundo a lenda, estaria localizada na Amazônia.

Novamente o roteiro é construído em cima de ação e de diálogos bem escritos, com um humor contido, porém certeiro. Mesmo assim, Steven Spielberg e George Lucas, que assinam a franquia, não conseguiram se aproximar de Indiana Jones e a Última Cruzada, o ápice da até então trilogia. Contudo, o grande mérito da nova história é conseguir amarrá-la tão bem aos demais filmes, mesmo depois de tanto tempo.

Semelhança - Não tão filosófico quanto a Última Cruzada, mas também fugindo da limitação de Indiana Jones e o Templo da Perdição, o quarto filme se assemelha mais com o primeiro, Os Caçadores da Arca Perdida. Tanto que as únicas menções presentes são justamente em relação ao primogênito da série. A personagem Marion (Karen Allen), atriz principal na jornada em busca pela arca sagrada, volta a ser protagonista e revela surpresas a Indiana. Até a antiga arca tem seus dois segundos de holofote.

Na ânsia por construir uma história que realmente deixasse uma marca de encerramento, Spielberg e Lucas não evitaram alguns tropeços. A história é confusa ao explicar as diferenças entre as culturas Maia e Inca, o que pode causar desapontamento nos expectadores, principalmente aos mais ligados à história. Além disto, o final evidencia algumas situações já batidas no cinema.

O grande detalhe é que existe alguma semelhança entre o desfecho do quarto filme e do jogo Indiana Jones and the Fate of Atlantis, produzido pela LucasArts, empresa de George Lucas, em 1992, e que serviu como canalizador da vontade dos fãs em ver uma seqüência da série na época, já que foi produzido logo depois do terceiro filme. Aliás, durante toda a década de 90 se esperava um filme baseado na história do jogo. Não veio a saga da cidade perdida de Atlântida, mas chega a aventura na América do Sul, que também não desapontará os seguidores do chapéu e do chicote.


Jornada de um herói

Steven Spielberg e George Lucas inspiraram-se no modelo de roteiro baseado em arquétipos, teorizado pelo estudioso Joseph Campbell

Por Rodrigo Alves

Anacrônico ou não – uma parcela da crítica o tem considerado como tal –, o lançamento do Reino da Caveira de Cristal mantém o papel crucial do personagem de chapéu e chicote na construção do cinema hollywoodiano de entretenimento. Tudo começou quando George Lucas e Steven Spielberg, os pais deste tipo de cinema, conheceram as formulações do estudioso Joseph Campbell sobre a jornada típica de um herói.

A partir da década de 1970 quando começaram a produzir para os grandes estúdios, eles se tornaram célebres depois que passaram a aplicar o modelo para contar histórias na telona. Ele baseia-se em arquétipos como o mocinho, o traidor, a musa, o vilão, entre outros, que seguem um roteiro de uma jornada que vai de um chamado à aventura, passando pelos problemas e o clímax, até o desfecho que leva ao retorno à situação pacífica. Os próprios cineastas produziram diversos outros exemplos de obras que podem ser conferidas em filmes deles como as séries Star Wars (Lucas) ou Jurassic Park (Spielberg).

Desde os primódios - Considerado um dos mais importantes livros do século 20, O Herói de Mil Faces de Campbell, em que está contida a teorização desta jornada, trabalha com base nos arquétipos que seriam usados em histórias desde os primórdios da humanidade. Paralelamente às teorias de Carl Jung sobre esses arquétipos e o inconsciente coletivo, Campbell defende que todas as histórias estão ligadas por um fio condutor comum. Assim, segundo ele, desde mitos antigos, fábulas e contos de fadas até os atuais arrasa-quarteirões contariam, na verdade, a mesma história.

Esta linha comum dentro das narrativas é chamada por Campbell de “a jornada do herói Mitológico”, e tem servido de base e orientação para diversos profissionais, especialmente cineastas, escritores e até mesmo jornalistas. Para o estudioso, seria possível estruturar qualquer história a partir do roteiro básico da Jornada do Herói.

A saga Indiana Jones talvez seja a mais representativa desta jornada dentro da indústria cultural. Bem ou mal, impôs uma maneira de se fazer e se consumir cinema. O episódio mais marcante dentro deste modelo – e o melhor de todos, na opinião deste repórter – é o terceiro filme, Indiana Jones e a Última Cruzada. O novo Reino da Caveira de Cristal, mesmo atualizado, já que Indy vive situações pelas quais nunca passou e imaginou, mantém-se no esquema. Decisão certa.

Antes de assistir ao Reino da Caveira de Cristal, leia um resumo das histórias da trilogia anterior:

Os Caçadores da Arca Perdida (Raiders Of The Lost Ark, 1981)

Em 1936, o arqueólogo Indiana Jones é contratado para encontrar a Arca da Aliança, que segundo as escrituras conteria Os Dez Mandamentos que Moisés trouxe do Monte Horeb. Mas como a lenda diz que o exército que a possuir será invencível, Indiana Jones terá um adversário de peso na busca pela arca perdida: o próprio Adolf Hitler e seu exercito nazista.


Indiana Jones e o Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984)

No segundo filme, Indiana Jones tem que resgatar as pedras roubadas por um feiticeiro, para libertar crianças escravizadas na Índia. Nesta aventura o herói enfrenta os poderes mágicos e o fanatismo do culto de uma civilização bárbara que sacrifica seres humanos. Os companheiros de Indy são a vedete fútil e engraçada, Willie, e um esperto órfão chinês.


Indiana Jones e a Última Cruzada (Indiana Jones and the Last Crusade, 1989)

O arqueólogo volta a enfrentar os nazistas para salvar seu pai e encontrar o Santo Graal, o cálice sagrado. O filme mostra a adolescência do herói e explica a adoção do chicote e o chapéu, além do medo de cobras. Outra revelação que vem, já na fase adulta, é que Indiana era o nome do cachorro. Seu verdadeiro nome é Henry Jones Jr. A presença do pai deixa o personagem mais humanizado, expondo suas inseguranças, mas também firma sua maturidade.

Serviço
Filme: Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull) - EUA, 2008. 124 min. Aventura
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Harrison Ford, Shia LaBeouf, Cate Blanchett, Karen Allen, John Hurt, Ray Winstone
Música: John Williams
Em cartaz em todo País
Site:
www.indianajones.com

Eduardo Sartorato é jornalista
Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Fotos: Divulgação

sábado, 17 de maio de 2008

 

Não mais que um filme de amor

Primeira obra em inglês de Wong Kar-Wai, Um Beijo Roubado, com Norah Jones e Jude Law, não faz jus à fama do diretor e decepciona

Por Rodrigo Alves

Dizem que um filme que abre Cannes nunca é pouca coisa. Mas Um Beijo Roubado (foto), que abriu o festival francês no ano passado é quase nada. O elogiadíssimo diretor chinês Wong Kar-Wai não acertou a mão em seu primeiro trabalho em inglês, e não faz jus a seu filme mais famoso, Amor à Flor da Pele.

Em Um Beijo Roubado, em cartaz em todo o País, Jeremy (Jude Law) é dono de um café em Nova York que coleciona chaves abandonadas pelos clientes. Elizabeth (a cantora Norah Jones, em sua estréia como atriz, já como protagonista) é dona de uma delas. Ao contrário dos outros, as suas são deixadas lá de propósito, depois que a moça descobre que o namorado a traiu.

Durante algumas noites ela começa a freqüentar o café e a encantar seu dono. Sem dizer adeus, ela parte para uma viagem pelo país. No caminho, conhece pessoas com histórias diferentes como um policial (David Strathairn) apaixonado pela ex-mulher (Rachel Weisz) e uma jovem (Natalie Portman) jogadora de pôquer. Durante o tempo que passa viajando, ela escreve regularmente para Jeremy, que, apaixonado, tenta localizá-la.

Erros - Em busca de uma linguagem mais poética, Wong Kar-Wai lança mão de recursos como a câmera lenta e planos muito fechados. Mas sua narração e seus personagens não ganham nada a mais com isso. A atuação rasa de Norah Jones, que como atriz dramática é uma excepcional cantora, também atrapalha. A impressão inicial de que se está diante de uma obra interessante, especialmente pelas presenças de Rachel Weisz, Natalie Portman, David Strathairn – que, se é possível, justificam o ingresso – se desfaz logo de cara.

Nem a bela estética da fotografia de Darius Khondji, granulada e à luz natural (o clima é bem noir) salva. Tentando dar pluralidade a sua obra, Kar-Wai não se aprofunda nos personagens e acaba concebendo três filmes em um só. As três histórias, que, mal emendadas, compõem a trama, renderiam mais se melhor exploradas – de repente até mesmo em filmes separados. A narrativa entrecortada deixa a sensação de um filme mal editado e displicente com a sensibilidade do espectador.

Se há algo que importa neste filme é a excelente trilha sonora que traz Cassandra Wilson, Ry Cooder e Cat Power (também no elenco), além da própria Norah Jones. Mas Um beijo Roubado poderia ser algo mais de uma coletânea de belos clipes. Não passa de um singelo (e estranho) filme de amor.

Serviço
Filme
: Um Beijo Roubado (My Blueberry Nights) – Hong Kong/ China/ França, 2007. 97 min. Drama.
Direção: Wong Kar-Wai
Elenco: Norah Jones, Jude Law, Rachel Weisz, David Strathairn, Natalie Portman
Em cartaz em todo o País
Site: http://www.umbeijoroubado.com.br/



Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Fotos: Divulgação

terça-feira, 13 de maio de 2008

 

Arrasa-quarteirão divertido

Apesar de inferior a adaptações como X-Men, o filme Homem de Ferro acerta em aposta no humor e tem elenco como ponto forte

Por Rodrigo Alves

Quer um forte motivo para ir assistir a Homem de Ferro: Robert Downey Jr. Depois de muito tempo (e muitos escândalos envolvendo drogas e prisões) ele está de volta em boa forma e impagável. O filme, é bom avisar, não tem o mesmo sabor delicioso do drama psicológico explorado em X-Men e Homem-Aranha, ambos também da Marvel e indiscutivelmente melhores, mas consegue a façanha de deixar palatável na telona uma das HQs menos populares do selo (que, a propósito acabou de tornar-se também produtora de cinema).

O mérito, é claro, está no investimento no humor, caminho mais curto para se chegar ao sucesso entre o público jovem. Não há como não resistir quando Downey Jr. se mostra preocupado diante da coletiva de imprensa pensando se deverá ou não revelar sua identidade, para afinal desistir: “Sou o Homem de Ferro”. Ele dá vida e personalidade ao misto de gênio e playboy Tony Stark. O ricaço acredita estar produzindo armas para o bem dos Estados Unidos – e essa patriotada do filme, apesar de atual, é imperdoável, diga-se de passagem. Ele descobre, porém, que sua convicção é furada e decide lutar contra armas de destruição em massa.

O diretor Jon Fravreau não consegue tirar o fôlego nas cenas de ação. É feliz, no entanto, na direção de seu elenco. Ele é hábil em extrair bom resultado, por exemplo, de Gwyneth Paltrow, que já esteve insossa em vários papéis (quem não engole aquele Oscar, por Shakespeare Apaixonado, que o diga). A moça, que aliás declarou recentemente cogitar aposentadoria imediata para ficar com os filhos, está em excelente química com Downey Jr. O filme tem gancho para continuação, como era esperado. O que não é impede uma visita à sala de cinema para bons momentos de diversão.

Serviço
Filme
: Homem de Ferro (Iron Man) – EUA, 2008. 135 min. Ação.
Direção: Jon Favreau
Elenco: Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Jeff Bridges, Terrence Howard
Em cartaz em todo o País
Site: http://www.ironmanmovie.com/


Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Foto: Divulgação

sábado, 10 de maio de 2008

 

Pop inteligente

Em Coco, lançado ano passado, Colbie Caillat estréia no mercado fonográfico com músicas bem melhores que a média dos similares

Por Rodrigo Alves

Se existe um limbo entre o pop e a música sofisticada ele é composto por artistas como Colbie Caillat (foto). As músicas deles dificilmente serão obras-primas, mas tornam-se sempre agradáveis aos ouvidos dos mais exigentes e da massa consumidora. A linha entre bom gosto e pieguice é tênue, mas alguns conseguem produzir bons trabalhos como Coco, álbum de estréia de Colbie.

A cantora e compositora consegue unir características boas de Jack Johnson, dono de um excelente som acústico, e a interpretação de Norah Jones (outra componente do limbo). Ela não é chegada a ousadias vocais como Joss Stone, decisão muito acertada. Seu trabalho lembra cantoras mais experientes como Dido e Fiona Apple. A lição veio de dentro de casa. Colbie, hoje com 22 anos, é filha do produtor Ken Caillat, que já produziu grandes nomes como Alice Cooper e Herbie Hancock. Compõe e canta desde a adolescência.

A jovem californiana tem em suas letras músicas que falam de amenidades como o amor, o amado perfeito e a felicidade em estar vivo – como não poderia deixar de ser dentro da roupagem pop. Mesmo assim, até em melodias que têm letras repetivas, como Oxygen (escute clicando no link abaixo), é impossível passar incólume, sem se apaixonar pelo timbre da garota, e o hit acaba grudando.

Internet - Colbie teve seu primeiro sucesso na internet. Ela fez o que é para a maioria o caminho inverso: primeiro estourou no MySpace, onde Bubbly, carro-chefe de Coco (lançado ano passado) chegou a alcançar o top 10 das paradas americanas. A força lhe rendeu espaço na indústria fonográfica. Antes de finalizar o disco de estréia, a cantora chegou a disponibilizar algumas das músicas do repertório para serem baixadas na rede. A estratégia deu certo.

Grande parte do mérito do sucesso como cantora cult – que abarca um público que vai dos 20 aos 40 anos, principalmente – é a produção acertada de Mikal Blue. O produtor apostou no foco da sonoridade leve das canções, que além de Colbie foram compostas por Jason Reeves. Letras coma as de Bubbly, Tied Down e Tailor Made tentam fugir – mesmo que não consigam completamente – da estrutura introdução rápida e refrão grudento já nos primeiros segundos. Sinal de que também há certa sofisticação no pop.

Serviço
CD
: Coco
Artista: Colbie Caillat
Gravadora: Republic
Preço médio: R$ 33
Disponibilidade: fácil

Link: escute Oxygen






Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Fotos: Divulgação

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

 

Destino de um Rei sem súditos

Zaguinha, o “rei da embaixadas”, volta às ruas de São Paulo depois de ser atração de TV e contratado de empresa de material esportivo

Por Thiago Arantes

Uma nota de R$ 2 repousa dentro do chapéu preto e branco, encardido, sobre as pedras portuguesas da Rua 15 de Novembro, Centro de São Paulo. O artista pede mais. "Só vou começar o show quando tiver três reais." Percorre a platéia com os olhos, mira 20 alvos, possíveis contribuintes. O tempo passa, o público se dispersa. O show começa, tardiamente, para duas pessoas – um senhor de bigodes brancos, antigo dono da nota de R$ 2, e este repórter.

O artista é Manoel da Silva, 55 anos. Manoel, estatura mediana, olhos pequenos e cavanhaque pela metade – que forma a letra "C" – é Zaguinha, o "rei das embaixadas". Alagoano de Murici, ajudante de pedreiro, que descobriu o talento para equilibrar bolas e objetos aos 32 anos. "Estava jogando sinuca e uma bola caiu da mesa. Comecei a brincar e vi que levava jeito." Não parou mais.

Em 1994, decidiu tentar a sorte em São Paulo. "Era ano de Copa do Mundo, a chance de crescer e aparecer". Primeiro, Zaguinha apareceu. Foi no intervalo da partida entre Brasil e Camarões, ao lado do telão da TV Globo, no Centro da cidade, fazendo embaixadas com um coco. Virou "Zé do Coco".

Faltava crescer. E Zaguinha cresceu cinco anos depois, em 1999, quando foi estrela de um quadro no Esporte Espetacular, também da Globo. "Falei que eu era o melhor do mundo e propus um desafio. Ninguém me venceu." Foram 14 semanas, uma dúzia de rivais derrotados. Zaguinha não ganhou dinheiro. Mas, colocado de lado depois de esgotar os desafiantes, conquistou um patrocinador. Por sete anos e dois meses, o "embaixador" – como define sua profissão – foi contratado da Dal Ponte, empresa de material esportivo (na foto, em viagem aos Estados Unidos, em campanha).

O acordo acabou em março do ano passado. Não foi renovado. "Eles mudaram a política da empresa, e eu dancei. Mas foi uma época boa, reformei minha casa, consegui melhorar minha situação."

De volta ao Centro - Foi à procura de um novo patrocinador que Zaguinha voltou às ruas do Centro no início de setembro. "Aqui é um lugar que conheço bem, trabalhei por três anos, entre 1996 e a Globo."

Os tempos em que era atração de TV estão registrados no pequeno espaço que o "rei das embaixadas" ocupa no calçadão. No chão, ao lado do chapéu encardido e de um campinho de futebol em que estão dispostas bolas de seis tamanhos, Zaguinha espalha folhas de papel sulfite com fotos impressas em baixa qualidade.

Nelas, o embaixador está ao lado de técnicos, celebridades instantâneas e ex-jogadores. As imagens estão distorcidas. Não bastasse a impressão ruim, a primeira chuva da primavera paulistana borrou as recordações. A tinta escorreu pelos papéis.

Caso se canse de olhar os borrões de seu passado, Zaguinha pode transformar as impressões, também, em instrumento de trabalho. Dá para fazer embaixada com bola de papel? "Claro que dá. Eu faço embaixada com qualquer coisa. São mais de 100 itens na minha lista, é só pedir". Às 13 horas de uma ensolarada quinta-feira, 27 de setembro de 2007, não havia ninguém além do senhor de bigodes brancos, o antigo dono da nota de R$ 2, para fazer o pedido.

"Faz com a bolinha menor, então." Zaguinha olha para seu campinho e pega uma esfera de metal, 2 mm de diâmetro. Toca uma, duas, dez vezes nela com os pés, sem deixar cair. O homem faz sinal de positivo. "Muito bom, muito bom". Vai embora.

Zaguinha agradece. Seu companheiro de show, o também embaixador Fábio Peixoto, 24 anos, está com a expressão fechada. "Se você tivesse feito logo o show, o povo não teria ido embora." Os dois trabalham juntos desde que Zaguinha decidiu voltar para as ruas. "O Fábio está aqui há mais de um ano. Eu cheguei agora, de volta. Viramos sócios."

“Até com abacaxi” - Embora trabalhem juntos, os dois têm estilos diferentes. "Eu acho que é preciso evoluir. Se o Ronaldinho inventa uma embaixada, eu vou fazer, também. É preciso estar sempre ligado nas novidades", diz Fábio. Zaguinha discorda. "Tudo o que eu faço é original. Eu inventei a embaixada com bola de prego, fui o primeiro a fazer com bolinha pequena, fiz com frutas, com bolas de outros esportes. Até com abacaxi eu fiz. Por isso que eu sou o rei, eu sou diferente."

Mas a "diferença" de Zaguinha chegou ao limite. "Não tem como fazer embaixada com uma bola menor do que esta", diz, apontando para a esfera que acabou de equilibrar. E então, o que fazer? Quais as novidades? "Não tem o que fazer, não tem novidade. Não posso fazer embaixada com uma bola que não consigo ver." Com a bola de futebol, faz 170 embaixadas por minuto, e já chegou à marca de 8 mil em oito horas de show. "E nunca errei ao vivo. Não fico nervoso porque faço o que sei fazer."

Mas se nem o "rei das embaixadas" vê novidades pela frente, é porque o futuro da arte pode estar em perigo. E está. "Todo mundo é desunido, esse é o problema. Tem muito príncipe e bobo da corte por aí dizendo que é rei", diz Zaguinha. Fábio, o sócio, discorda novamente. "Zaguinha fala demais. Ele foi rei faz tempo, tem que ver quem é o rei agora."

Os dois começam a discutir. Tentam levar a conversa em um clima de provocação sadia. Não conseguem. Fábio chama o sócio de "metido", diz que Zaguinha "vive de um passado distante". A resposta vem em tom professoral. "Você é jovem, tem muito que aprender, ainda. Eu sou o rei e tenho as provas em vídeo. Coloca na internet 'rei das embaixadas' e vê o que aparece." Aparece o site de Zaguinha. Sem atualizações desde 2000.

O diálogo ríspido chama a atenção dos pedestres. "Não vai ter mais show?", pergunta um jovem de pele escura, bigode proeminente e casaco amarelo – fez frio em São Paulo durante toda a semana. Fábio sorri sem graça, Zaguinha também. Os dois concordam, enfim. "Pensamos de forma diferente, não adianta", diz o "rei". "Não adianta, mesmo", reforça o sócio.

Recomeço - A parceria chega ao fim. Ambos parecem aliviados. Até sorriem. "Não estava dando certo mesmo", diz Fábio. "E não pense que a culpa foi sua!", brinca Zaguinha com o repórter. Fábio diz que continuará onde está. Na 15 de Novembro, sob a sombra de uma árvore esguia, último artista de uma fila que tem, às 15 horas de quinta-feira, cinco pintores e três hippies artesãos.

Zaguinha ainda não sabe qual será seu próximo palco. "É fácil arranjar um ponto novo, mas ainda não pensei nisso. Só sei que vou fazer embaixadas até o fim da minha vida, o lugar não importa.", diz, acelerando o passo. "Preciso ir, tenho aula à noite." Zaguinha cursa a 5ª série do Ensino Fundamental. Voltou a estudar neste ano depois de quatro décadas parado. "Antes eu achava que as embaixadas tinham me dado tudo o que eu precisava na vida. Mas a escola pode me dar muito mais." E vai embora, entre hippies, mendigos e profetas. Sem saber por onde recomeçar.

Thiago Arantes é jornalista

Foto: Acervo pessoal

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

 

Conto de fadas adulto

O Labitirinto do Fauno consegue mesclar a dura realidade da guerra espanhola com um mundo de fantasia que agrada aos mais velhos

Por Erika Lettry

O sangue que escorre pela boca de Ofélia (Ivana Baquero), personagem principal de O Labirinto do Fauno, indica que há algo diferente no filme do diretor Guilhermo del Toro. Definitivamente não é um conto de fadas para crianças. Ou ao menos não é um conto de fadas para crianças acostumadas a ver a fantasia como respostas diluídas em água-com-açúcar para um mundo que ainda não compreendem.

Lembro do escritor Rubem Alves em um de suas crônicas contando de que forma os contos de fada foram perdendo sua essência para adaptar-se ao universo das crianças. Toda a lição construída na narrativa acaba sempre destruída pelo final feliz. Ao invés da esposa de Barba Azul pagar pela desobediência (o ser humano possui lados obscuros não devem ser expostos), o que fez a literatura infantil? Trouxe heróis para salvarem a esposa de Barba Azul da morte horrenda.

Se O Labirinto do Fauno partisse deste princípio, não ia passar de um filme de conto de fadas como tantos que vemos por aí. Rasos, previsíveis e de fácil esquecimento. Mas a obra de Guilhermo del Toro opta pelo caminho mais difícil: conectar fantasia com a crueldade que é característica do mundo “real”. Para explicitar este enlace, o tom sombrio da fotografia é marcante e transita entre os dois universos. Já na narrativa Ofélia toma conhecimento de sua história verdadeira e do que terá que fazer para recuperá-la. É quando se percebe que a realidade e a fantasia, afinal, não são universos tão distantes assim.

O início do filme conta brevemente a história de uma princesa que vivia no reino subterrâneo mas era louca para conhecer a humanidade e o brilho do sol. Certo dia conseguiu fugir de seu reino e passou a viver entre os homens. Teve então que conviver com a fome, dor, humilhação e tristeza, morrendo e renascendo sempre para cumprir este destino. Depois disto conhecemos a garota Ofélia, que adorava ler contos de fadas, e ficamos sabendo que é a tal princesa.

Junto com a mãe Carmen (Ariadne Gil) foi viver no campo com o Capitão Vidal (Sergi Lopez), que lutava para combater os que eram contrários à ditadura fascista do general Franco, que governava a Espanha. Comandava a região e a casa com uma violência que muitos tacharam como banal e desnecessária. Eu, que costumo repudiar este tipo de escolha, tive que discordar. A violência explícita não apenas é necessária como primordial na composição do filme. É o choque de realidade que o filme precisava para reforçar seu maior mérito: mostrar que a fantasia não serve para que fechemos os olhos à realidade, e sim para que possamos buscar mais além.

Convivendo com a Guerra Civil espanhola e a crueldade de Vidal, Ofélia acaba deparando-se com a possibilidade de ir ao encontro de um destino mais afável. Encontra um fauno que lhe conta sua história e que propõe que ela cumpra três tarefas para que possa voltar ao mundo subterrâneo. Tarefas das quais conhece os perigos, mas decide enfrentar. Sinal de que compreendeu e aceitou as conseqüências de seus atos. E, afinal, melhor também arriscar e buscar uma esperança que viver a realidade onde parece não haver solução possível.


Serviço
Filme (DVD): O Labirinto do Fauno (El Laberinto del Fauno) – México, Espanha, EUA, 2006. 112 min. Suspense.
Direção: Guilhermo del Toro
Elenco: Ivana Baquero (Ofelia), Doug Jones (Fauno), Sergi López (Capitão Vidal), Ariadna Gil (Carmen)
Distribuidora: Warner Bros. Pictures
Preço médio: R$ 19,90
Site: www.panslabyrinth.com

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

sábado, 12 de janeiro de 2008

 

O homem que o metrô não matou

Um ano após o acidente das obras na estação de Pinheiros, em São Paulo, conheça a história do motorista Emerson Nascimento

Por Thiago Arantes

Às 14h11 do dia 12 de janeiro de 2007 – exatamente há um ano –, o motorista Emerson dos Santos Nascimento, 26 anos, sairia com a van 20041 para mais uma viagem da Casa Verde à estação da CPTM de Pinheiros, na cidade de São Paulo. Era a hora dele. Emerson não foi. Cansado por ter começado a trabalhar às 4h30 e ainda sem almoçar, pediu para trocar a vez com um colega. Era Reinaldo Aparecido Leite, 40 anos, com a van 26487.

Cerca de 40 minutos depois, quando Reinaldo acabara de começar o caminho de volta, o veículo conduzido por ele caiu na cratera aberta pelo acidente nas obras da estação Pinheiros, linha amarela do metrô de São Paulo. O motorista, o cobrador Wescley Adriano da Silva e os três passageiros morreram soterrados. Um pedestre e um funcionário que trabalhava nas obras, também.

Emerson deixou o ponto na Casa Verde cinco minutos depois do colega. Assim que chegou ao local do acidente, tentou contato. Sem sinal. Oito meses depois, continua na linha Casa Verde-CPTM Pinheiros. Trabalha dez horas por dia, ganha R$ 1.200, faz entre oito e nove viagens – o trânsito da metrópole dita o ritmo.

Calado, nem por isso tímido, o motorista evita lembrar-se daquela sexta-feira. Abordado por este repórter – que procurava confirmar a história de que um colega havia trocado de horário com Reinaldo –, baixa a cabeça, suspira brevemente e, olhos fixos, diz em voz baixa. "Sou eu mesmo."

"Mas não gosto de falar disso", emenda. "E preciso ir embora. Só se você quiser me entrevistar dentro da van". São 17h30 de quinta-feira, véspera do feriado de 7 de setembro. Emerson ainda não sabe se vai ter folga para viajar. A van deixa o ponto final na Casa Verde com três passageiros.

Gente Boa - No primeiro semáforo, o motorista gira o pescoço para o lado, tenta manter contato visual comigo, fala que não deu entrevistas sobre sua história daquele 12 de janeiro. "Nunca me procuraram para falar disso. Uma vez a televisão me entrevistou, mas era para falar do Reinaldo. Ele era muito gente boa, trabalhador."

E por que não disse à TV que havia trocado de escala com ele? "Seria um desrespeito, né? A família passando por um momento difícil e eu falando que escapei, que era para ter sido eu.”

Reinaldo tinha esposa e três filhos. Emerson namora há dois anos. "Quando contei para ela que eu tinha trocado a escala com o colega que morreu, ela ficou em pânico". Emerson também ficou. Não dormiu até o início da manhã seguinte ao desabamento. "Só saí lá de perto às 2h. Ainda não sabiam o que tinha acontecido."

Morador do bairro da Casa Verde, quase vizinho do ponto final de sua linha, o motorista raramente usa o metrô. "Quase não ando, mas gosto. Acho seguro", diz. Sobre o acidente, resignação. "Obras assim sempre são perigosas. Meu pai perdeu parte da perna por causa de um acidente em uma obra também". O pai de Emerson, aposentado por invalidez, gosta de rádio. "Escuta o dia todo."

O filho parece não gostar. Durante a viagem, não liga o rádio da van. Divide seu tempo entre a entrevista, as piadas do bem-humorado cobrador David e outro rádio, o comunicador da empresa – ou, como diz, o "nextel". O trânsito testa a paciência dos passageiros, mas o motorista parece tranqüilo. "Estou em primeira, ponto morto, primeira, ponto morto...", diz ao rádio. Ri, olha para trás, "esse horário é assim mesmo".

Corinthians - Ao lado da estação Barra Funda do metrô, mais passageiros sobem, os assentos minguam, o calor aumenta. O ar condicionado luta contra a aglomeração. Perde. Um jovem com a camisa do Palmeiras acena. "É sofredor, mas deixa ele entrar", brinca o cobrador e corintiano David. "Entrar pode, mas sentar, não", emenda Emerson, também corintiano. "Você torce para o Corinthians?", pergunta ao repórter. Diante da resposta negativa, muda de assunto. "Já faz quanto tempo mesmo do acidente?"

São oito meses. "Parece que faz mais tempo. Mas também lembro como se fosse ontem", contradiz-se. Depois de buscar na memória uma referência temporal, concorda. "É verdade, são oito meses mesmo. Eu tinha começado três semanas antes como motorista. Fui cobrador, por três anos. Passei da contabilidade para a direção", brinca.

Uma passageira escuta a conversa e intervém. "Estão falando do acidente do metrô? Nossa, terrível, né?". Emerson acena com a cabeça, sempre tentando olhar para trás. O trânsito permite, a van quase não se move. A mão esquerda divide-se entre o volante e o comunicador. A direita repousa no câmbio em tempo integral.

O motorista responde às perguntas como se estivesse preparado desde sempre para enfrentá-las. E não se emociona ao pensar que poderia ser ele uma das vítimas. "Não faz bem pensar assim. Se eu ficar pensando que era para ter morrido, não vou conseguir viver direito". Abandonar a linha ou a profissão também está fora de questão. "Todo trabalho tem o seu risco. Não adianta fugir."

O trânsito melhora, o tempo passa, e a estação CPTM de Pinheiros se aproxima. A noite já encobre os últimos raios de sol quando Emerson, curioso, volta ao assunto. "A queda foi de quantos metros, será? Uns 50?". Foram 30 m, segundo informações fornecidas pela construtora responsável pelas obras. "Ah, não tinham chance de sobreviver. O carro ficou parecendo uma lata de sardinha. Eu vi quando tiraram".

“Você acostuma” - Desde o acidente, a rota da van foi desviada da Rua Capri – parcialmente destruída pelo desabamento – para a Eugênio de Medeiros. Cones, fitas bicolores de segurança, caminhões e funcionários das obras do metrô compõem a paisagem. Pedreiros reforçam as estruturas das casas nas ruas vizinhas. "Todo mundo ficou com medo", diz um segurança das obras da linha 4. Antes de falar, ele tira o crachá do peito.

Emerson já se acostumou. "Nas primeiras vezes que passei por aqui, senti uma coisa ruim. Mas aí você passa todo dia, tantas vezes, que se acostuma. Tem que acostumar, senão fica louco", diz, enquanto encosta a van no ponto final em Pinheiros.

O descanso habitual de cinco minutos é revogado por ordem do "nextel". "Tá bom, tá bom, vou agora, diretão", diz, sem praguejar contra o comando invisível. "Está puxado, hoje. Véspera de feriado é assim sempre". Há tempo para uma última pergunta, sobre o que mudou na forma de encarar a vida depois do acidente. "Nada. Eu sempre dei muito valor", diz Emerson. "Só não era minha hora."

Thiago Arantes é jornalista

Sobre o repórter
Tem 25 anos, nasceu em Goiânia, mudou-se para São Paulo há dois anos, depois de uma escala de outros quatro em Brasília. Embora goste de procurar personagens nas ruas da metrópole, o texto acima surgiu por acaso, em setembro de 2007, quando buscava uma pauta sobre o metrô paulistano.

Foto: O Globo

domingo, 6 de janeiro de 2008

 

O nosso samba

Entenda como a música considerada “nossa” aos poucos foi sendo construída para se tornar legítima representante de brasilidade

Por Erika Lettry

No ano passado o samba foi declarado Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, sob registro do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Sambistas famosos como Nelson Sargento comemoraram o reconhecimento declarando que “o samba é agora cidadão brasileiro com todas as letras”.

O reconhecimento, para muitos, foi tardio. Afinal de contas, há anos o gênero musical é referência dentro e fora do Brasil, tido como símbolo maior de nossa brasilidade. Não à toa compõe a famosa tríade que muitos estrangeiros que pisam por aqui repetem sem o menor pudor: o Brasil é lugar de “samba, futebol e mulher”.

Mas afinal, de que forma o samba conseguiu alcançar o status de gênero nacional por excelência? O antropólogo Hermano Vianna arriscou algumas respostas no livro O Mistério do Samba. Retrocedendo em alguns pontos da história do país, ele mostra que samba tornou-se componente da identidade do brasileiro. Menos pela índole das pessoas que por uma série de construções que abarcam, de certa forma, uma verdadeira força-tarefa na tentativa de unificar o Brasil usando a música como referencial.

Samba pela história - Datar precisamente o momento da penetração da cultura popular nas rodas da elite brasileira não é fácil. Muitas suposições e pouca análise criaram mitos arraigados como, por exemplo, o de que o samba deixou de ser subitamente um ritmo marginal do começo do século passado (tocado apenas nas favelas, pelos “malandros”) e passou a ser aceito pela classe dominante, até chegar ao momento “mágico” em que foi nomeado símbolo do Brasil.

Em seu livro, Hermano Vianna mostra que esta passagem não foi súbita e nem mesmo tão desinteressada como muitos acreditam. O antropólogo enumera vários nomes (como Catulo da Paixão Cearense e Laurindo Rabello) que, com suas modinhas, lundus e toadas sertanejas, fizeram sucesso entre a elite brasileira e deram espaço para que o ritmo nacional ascendesse.

Esta pequena ascensão era, contudo, apenas um esboço do que viria. A valorização das “coisas do Brasil” só ganhou contornos mais nítidos quando se acelerou a discussão sobre a descentralização do país. O problema da unidade da pátria ganhou notoriedade entre os intelectuais como, por exemplo, Afonso Arinos, tendo mais tarde seu apogeu com Gilberto Freyre, autor de Casa Grande e Senzala.

O projeto de unificação nacional, embora já tivesse sido esboçado em algumas situações, não chegou a ser algo claramente definido. Somente com a chegada da República é que se sentiu verdadeiramente a necessidade de construir um símbolo nacional que substituísse o da coroa.

O que ocorreu, entretanto, foi a criação de oligarquias que valorizaram ainda mais a regionalização do país, dificultando o projeto de centralização. Foi neste período que prevaleceu a famosa política café-com-leite, quando as oligarquias aproveitavam deste traço descentralizador para dominar o país.

Construção - Essas tendências regionalistas só foram “sufocadas” em 1930, quando o gaúcho Getúlio Vargas chegou à presidência da República. E é justamente nesse período que o samba consolida-se verdadeiramente como ritmo nacional, em uma construção que uniu a política, a intelectualidade brasileira e as camadas populares.

Tais tendências de valorização do nacional não tinham a ver com uma volta às raízes do Brasil, mas sim com a criação dessas raízes. O modelo de autenticidade do Brasil não foi fruto de uma escolha de algum modelo regional de brasilidade, mas foi fabricado após a ascensão de Getúlio Vargas unindo os diversos elementos do país.

Hermano Vianna considera o final dos anos 1920 como o período de nacionalização do samba, tendo como mediadores músicos, representantes do governo e intelectuais como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Gilberto Freyre. Segundo o estudioso, eles teriam papel fundamental na execução de um processo de criação da identidade brasileira, tendo o samba como principal elemento. Aquele que seria considerada como a “nossa música”.

Erika Lettry é jornalista, especialista em Jornalismo Cultural e autora da monografia O Brasil de Ruy Castro: O Jornalismo e a Construção de Uma Identidade Cultural Brasileira

Foto: Mantelli
(captada no site Flickr)