quarta-feira, 7 de novembro de 2007

 

Mandou me chamar, eu vou...

Acompanhar ensaios da escola de samba Mangueira, do Rio de Janeiro, além de divertido é verdadeira aula de cultura brasileira

Por Lian Tai

Uma foto antiga denuncia que já pulei carnaval um dia na minha vida. Estamos eu e outras amiguinhas, só de saia e cordão de flores de plástico à roda do pescoço. Mas, sinceramente, não me lembro. Se não fosse a foto, diria que nunca pulei carnaval. E tampouco acompanho os desfiles na televisão. E lá fui eu, sino-goiana sem ginga, sem saber sambar e leiga no assunto, ao ensaio da Mangueira.

O táxi nos deixou já no iniciozinho do morro. Barraquinhas de souvenires, comida, bebida. E muita gente. De todas as classes sociais, todos os lugares, todas as cores. O friozinho que senti ao descer do táxi logo se dissipou com o calor humano. Pagamos nossos vinte reais por pessoa, na bilheteria. Fui informada de que, à medida que o Carnaval se aproxima, o preço sobe, chegando, em janeiro, a cinqüenta reais. Sem meia-entrada. Entregamos nossos ingressos e passamos pela catraca. Recebemos, ainda na porta, um papel com a letra do samba-enredo, intitulado “100 anos de frevo, é de perder o sapato. Recife mandou me chamar...”

Lá dentro, letreiros luminosos em verde e rosa, com a temática do ano. E em cima, o camarote com os famosos, entre eles um jogador de vôlei alto e careca (talvez vocês saibam de quem se trata) e alguns atores globais, como Maurício Mattar e Paola Oliveira. Na frente, a bateria. E no meio, a multidão. Todas aquelas teorias que eu havia estudado em aulas de cultura brasileira, sobre Carnaval, inversão de valores, transgressão, mistura, eu vejo ali. Alguém ainda vai dizer que não é bem assim e que não é todo mundo que pode pagar o ingresso e etc. e tal. Mas é. Eu vi. Tem preto, branco, vermelho, amarelo. Tem rico, tem pobre, tem classe média. As patricinhas descem do salto, os gringos caem no samba. Naquela hora o que todo mundo quer é ser do morro.

Quando começa o samba, todos se animam. Sambas antigos, de anos anteriores. E samba-enredo 2008, saído do forno. Cada qual com seu papelzinho na mão, para acompanhar a música. Pela primeira vez, a gente tenta cantar desastradamente, cada um inventando uma melodia diferente para a letra que tem na mão. Mas a música se repete uma, duas, dez vezes... e vamos aprendendo-a e deixando-a entrar na alma. Pedem-nos para abrir espaço: os passistas vão entrar. Eles entram roubando a cena e logo depois vamos atrás, formando um cordão alegre. Depois o cordão se desmancha e viramos todos uma coisa só, indefinida.

Surpresinhas durante a noite inteira. Vêm as crianças da escola, pequenininhas, exibirem-se. Garotinhos que encarnam malandros, menininhas rebolando... Depois aparecem aquelas mulatas exuberantes, com negrões charmosos. Abram espaço. É de cair o queixo. É de babar. É de causar inveja. Mas nós, reles mortais, não ficamos só olhando. A energia é tanta que ninguém fica parado. Eu, que não sambava, sambei a noite inteira. A meu jeito, é verdade. A cobertura do teto se abre, para refrescar. Ainda assim, é muito calor humano, muito suor. E haja, cerveja, água e batida para agüentar a noite toda.

No fim, o samba-enredo entra pelas veias e o coração bate ao ritmo da bateria. Os pés acompanham, doloridos: não querem parar. As vozes misturam-se, todos cantando juntos, alegres e emocionados. A noite tem seu auge quando tocam esses versos: “Mandou me chamar eu vou...Pra Recife festejar...Alegria no olhar eu vejo...É frevo, é frevo, é frevo.”

É verdade. Alegria no olhar é só o que se vê.

Lian Tai é jornalista e mestranda em Comunicação Social da UERJ

Um comentário:

Hebert Regis disse...

Oi Lian. Deu prá perceber que gostou mesmo do carnaval. O texto ficou tão leve que dava para ver você sambando e pulando na quadra. Como disse no seu texto, mesmo que o carnaval vire um grande negócio, acho dificil perder a mágica, que derruba barreiras sociais. Muito bom!! Abraço.