quinta-feira, 25 de outubro de 2007

 

Espetáculos que tocam a alma

Refletir e sensibilizar são premissas de bons espetáculos. Em Goiânia, dois destes exemplos foram apresentados nesta semana

Por Erika Lettry

O grande mérito de um espetáculo é conseguir trazer à tona reflexões ou sentimentos. Essa deveria ser a maior preocupação de quem trabalha com produtos culturais. No teatro especialmente, que lida com o público de forma tão direta, ser reflexivo e despertar questionamentos é mais do que obrigação.

Teatro deveria valer sempre como uma boa sessão de terapia. Quer coisa mais decepcionante do que sair de casa para assistir um espetáculo teatral e voltar com a mesma bagagem? Se apenas entretém, faz rir de forma gratuita, ou se a discussão que levanta não resiste à queda das cortinas, como muitas produções que vemos por aí, é sinal que os esforços de produzir não valeram a pena. Tentar compensar a pobreza de idéias com recursos mirabolantes de cena ou com piadas preconceituosas é atraso de vida. E tal escolha é feita com relativa freqüência.

Mas, às vezes por acaso, surgem narrativas que de tão inteligentes podem se dar ao luxo de deixar a cenografia rebuscada para o segundo plano. Um exemplo? A peça Divã, que foi apresentada ontem no Teatro Rio Vermelho de Goiânia pela atriz Lília Cabral (foto acima), e que já percorre o Brasil há três anos. Com elementos de palco simples, uma linguagem visual sem rococós, soluções diretas de composição de cena, o diretor enxugou a peça de todas as “gorduras”. Desta forma, não houve como escapar das discussões que o espetáculo levantou.

Talvez a identificação imediata de muita gente com o texto de Divã deva-se ao fato da protagonista ser uma mulher e, mais do que isso, alguém que não suporta a sensação de estar vivendo uma mentira. De estar vivendo a falsa felicidade, como acontece tanto com muita gente. Eu mesma me identifiquei com vários destes pontos. É inevitável.

A grande brincadeira da peça é justamente essa: quem está no divã, na realidade, somos nós. Por meio da personagem, que decide freqüentar sessões de análise apenas por curiosidade e acaba descobrindo suas verdades, também o público acaba se submetendo sem querer ao confronto consigo mesmo.

Fiquei imaginando o quanto Divã pode ter tocado questões complicadas para pessoas da platéia: fracasso no casamento, desilusões amorosas, perdas irreversíveis, medo de envelhecer, sensação de inadequação. Fiquei imaginando ainda quantas pessoas riram do ridículo da própria situação, nos momentos de comédia, e como choraram por dentro ao verem expostas suas pequenas tragédias pessoais. A única certeza é que dificilmente o público saiu do teatro carregando a mesma bagagem.

Giramundo
No extremo oposto da peça Divã, o espetáculo Pinocchio, do grupo Giramundo (foto ao lado), apresentado segunda-feira à noite no Teatro Goiânia faz uma aposta ousada na estética teatral. Efeitos de iluminação, vídeo e sonorização, frutos de uma extensa pesquisa realizada pela companhia, levam o espectador a embarcar em um mundo mágico.

Aqui, forma e conteúdo se complementam. Para quem não conhece, o Giramundo trabalha com bonecos e tem forte influência das artes plásticas em sua composição. Quase todos os apetrechos usados em cena são feitos de madeira – e o uso das marionetes vai muito além do convencional. O manuseio é tão bem executado que os bonecos das personagens de Pinocchio parecem realmente ganhar vida própria no palco. Ao final, o público foi convidado, assim como sempre ocorre nas apresentações pelo país, a conhecer o trabalho dos artistas e se surpreendeu com a forma como a iluminação do palco dá dimensões gigantescas aos bonecos de madeira.

A história do boneco de madeira teimoso e inconseqüente que se torna um menino responsável, de carne e osso, é contada de forma sombria. No palco pouca luminosidade e no enredo temas pesados, como assassinato e vilanias. Aliás, dificilmente a peça poderia ser classificada como infantil. Isso até me lembra o alerta que o escritor Rubem Alves sempre faz em seus livros. Ele costuma dizer que a literatura infantil deturpa o conteúdo das fábulas e as torna vazias de significados.

Pinocchio, inspirado no original de Carlo Collodi, não cai nesta armadilha. A história narrada pende mais para o lado trágico e para uma complexa discussão acerca da moral, do livre arbítrio e da remissão do que para uma lição boba de obediência filial com o inevitável final feliz.

Goiânia em Cena
O teatro de bonecos fez uma única apresentação na segunda-feira durante a abertura do Festival Internacional de Artes Cênicas - Goiânia em Cena. Acompanhe abaixo os outros espetáculos que constam na programação, a partir de amanhã:

Dia 26, sexta, às 21 horas
Erê – Eterno Retorno (Território Sirius Teatro)
Goiânia Ouro
Dia 27, sábado, às 21 horas
Amoratado (Harapoi – Teatro de Títeres)
Goiânia Ouro
Dia 28, Domingo, às 16h30
Amor y Circo (Harapo – Teatro de Títeres)
Praça do Sol
Dia 29, segunda, às 19 horas
A Travessia – parte I – A partida (Teatro Ritual)
Goiânia Ouro
Dia 29, segunda, às 21 horas
A Pedra do Reino (Macunaíma Grupo de Arte Teatral)
Teatro Goiânia
Dia 30, terça, às 19h30
Contas Diárias (Cia. do Ator Cômico)
Goiânia Ouro
Dia 30, terça, às 21 horas
A Pedra do Reino (Macunaíma Grupo de Arte Teatral)
Teatro Goiânia
Dia 31, quarta, às 19h30
Carne Muro (Andréia Pitta)
Goiânia Ouro
Dia 31, quarta, às 21 horas
Danças de Repertório (Corpo de Baile da Cidade)
Teatro Goiânia
Dia 1º, quinta, às 19h30
Édipo (Cia Benedita de Teatro)
Martim Cererê – Teatro Yguá
Dia 1º, quinta, às 21 horas
Somos Três, Embora Um (Ana Andréia Arte Contemporânea)
Goiânia Ouro
Dia 2, sexta, às 19h30
Balada de Um Palhaço (Grupo de Teatro Arte e Fatos)
Goiânia Ouro
Dia 2, sexta, 21 horas
Sobre Mentiras e Segredos (Os Ciclomáticos Cia de Teatro)
Teatro Goiânia
Dia 3, sábado, 21 horas
Uma História Invisível (Cia Quasar de Dança)
Teatro Goiânia

Teatro Goiânia – Av. Tocantins, esq. c/ Rua 23, Centro
Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro – Rua 3 esq. c/ Rua 9, Centro
Martim Cererê – Rua 94-A, Setor Sul
Ingresso: 12 reais (inteira) , por espetáculo
Informações:
http://www.goianiaemcena.com.br/

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural
Foto Lília Cabral: Guga Melgar
Foto Giramundo: Divulgação

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