terça-feira, 30 de outubro de 2007

 

Quando não havia Photoshop...

Uma visita à exposição Marilyn Monroe – O mito, em companhia de duas mulheres

Por Carlos Eduardo Melo

A ressalva feita no subtítulo é importante, pois suscita interessantes questões que merecem ser analisadas. Diante das imagens do fotógrafo americano Bert Stern, feitas para a revista Vogue, no tradicional hotel Bel Air, de Los Angeles, em 1962, apenas seis semanas antes da morte da atriz, o olhar feminino capta, nesse caso, sutilezas e detalhes que escapam à contemplação masculina.

Marilyn não foi a melhor atriz nem de sua geração. Não foi sequer a mais bonita, nem um modelo de comportamento a ser seguido pelas jovens da época. Qual, então, a razão do fascínio que essa loura exercia e ainda exerce sobre tanta gente, 45 anos após a sua morte?

O mito Marilyn Monroe talvez seja a matriz do estereótipo da loura burra – aquele tipo de mulher gostosona, de poucos neurônios e formas fartas, a quem os canalhas seduzem com duas ou três mentiras e depois abandonam com outras tantas evasivas. Mas fosse burra e descartável de verdade, certamente seu brilho não atravessaria décadas.

Outro ponto que possivelmente justifica a construção do mito é o fato da bela ter morrido cedo. O mundo pop adora esse tipo história. Além disso, Marilyn, a despeito de sua beleza, era uma mulher triste, solitária, cujo lado interior pouco havia vindo à tona em vida, ofuscado sempre pela sua enorme exuberância plástica.

Nas fotos realizadas por Bert Stern em três dias, vê-se a musa em fase mais madura. Além disso, contam os registros feitos pelo sortudo que, durante as sessões, os dois tomaram algumas garrafas de vinho. Isso pode explicar de certo modo a atmosfera de mistério e sedução que envolve cada fotograma. A idade, o álcool, essa combinação produz alguns efeitos mágicos, que há séculos povoam o imaginário masculino.

A ótica feminina, porém, enxerga detalhes que escapam aos olhos dos homens. O olhar provocante, o sorriso sedutor não são o que mais se destacam. Nem a qualidade do trabalho fotográfico, a composição, as cores.

Chamam a atenção delas, a artificialidade das poses, a tintura do cabelo, as rugas, as sardas, os quilos a mais, a cicatriz de uma operação de visícula. Doutor Photoshop, o cirurgião plástico virtual, corrigiria facilmente esses “defeitos”. Mas aí não seria Marilyn. Poderia ser qualquer outra, a musa das novelas, a musa do samba, a musa do esporte ou qualquer uma do Big Brother, lindas, formosas, moldadas a bisturi, silicone e computação gráfica. Reinariam absolutas nas paredes de borracharias, nos quartos dos adolescentes, nos sites de mulher nua, nos programas de TV e em revistas de fofoca.

Mas por quanto tempo?

Serviço
Exposição: Marilyn Monroe – O Mito (Fotografia)
Data: Até 25 de novembro, de terça à domingo
Horário: terça a sexta, das 12h às 18h, sábado e domingo, das 12h às 19h
Preço: R$ 5
Local:
Museu de Arte Moderna (MAM) Av. Infante Dom Henrique - 85 Centro – Rio de Janeiro
Telefone: (21) 2240-4944 / 2240-4924

Carlos Eduardo Melo é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

sábado, 27 de outubro de 2007

 

A crítica sem arte

Críticos de arte se perdem diante dos rumos que a arte contemporânea vem tomando nos últimos anos

Por Erika Lettry

Mário Pedrosa foi, de acordo com as palavras do escritor Ferreira Gullar, o fundador da moderna crítica de arte no Brasil. Entusiasmou-se na década de 50 com a arte concreta – que para ele exprimia uma linguagem pictórica comum a todos os povos –, em oposição à arte modernista brasileira, voltada para os temas nacionais. Porém, quando morreu (em 1982), sua visão estética tinha mudado radicalmente. Decepcionado com os rumos da vanguarda, dizia que seu artista preferido era Matisse, porque pintava para dar prazer às pessoas. Além disso, talvez por não se enxergar mais como “filho do seu tempo”, deixou de se considerar crítico de arte.

Pedrosa não foi o único a se julgar como alguém incapaz de acompanhar as mudanças de sua época. Críticos, público e artistas (na verdadeira acepção da palavra) também sentem enorme dificuldade em apreciar a “arte” que vem se desenhando nos últimos anos. No caso de Mário Pedrosa, o que antes ele considerava como exercício experimental da liberdade acabou transformando-se em desapontamento com suas próprias expectativas em relação à vanguarda. De repente, usando como argumento a trágica história do século 20 (genocídio, regimes totalitários), os artistas começaram a imprimir uma visão negativista a seus quadros. Unir prazer à arte gerava uma espécie de culpa, ao mesmo tempo em que produzir obras duradouras parecia um contra-senso, frente à fugacidade dos novos tempos. O humanismo deixou de nortear os ideais da classe, cedendo espaço ao pessimismo e ao nonsense.

O resultado de tais mudanças na arte é que, também o papel do crítico, se alterou significativamente. Não é exagero dizer que o crítico se perdeu em meio ao discurso desses novos “artistas”. As idéias destes se consolidaram, ganharam os espaços públicos, as exposições, os museus, os jornais e revistas, encaminhando todos a uma era do absolutismo artístico. Criticar negativamente a “arte” que se produz hoje virou sinônimo de falta de comprometimento com o presente. Da mesma forma, contestar tornou-se tarefa quase exclusiva dos “artistas” que, mesmo produzindo algo distante do que se entende por arte, rejeitam aqueles que não apreciam o que produzem, reduzindo o espectador desavisado a retrógrado, quando não ignorante.

Por mais inconsistentes que sejam seus argumentos, o que se vê é uma aceitação passiva do discurso (ou da falta de) desses pretensos artistas. O filósofo Jacques Leenhardt diz que a crítica deve partir da evolução das próprias artes, da atitude dos artistas ou daquilo que se poderia chamar de “consciência de si como artista” e, por fim, da evolução do público de arte. Se a crítica foi reduzida à mera reprodução do discurso do artista, é porque não consegue se posicionar em relação àquilo que vê. Tal como a arte perdeu o sentido, a crítica se estagnou. A arte tomou rumos indesejáveis, e nisso poucos querem crer. Criou-se especialmente uma confusão acerca do que é artístico, o que é estético e o que simplesmente nada representa. O crítico mal consegue sair desse impasse, que dirá extrair da obra algo a dizer.

A princípio, cabe ao crítico o papel de reformular, por meio da linguagem, aquilo que viu. Ele deve apreciar a cor, a intensidade, a tonalidade, a linha da obra. Mas a verdade é que muitas vezes o que se vê nas exposições são obras não artísticas, e o crítico de arte tentando falar sobre elas! Uma contradição que não se explica. O que deve ser posto pelo crítico, em primeiro lugar, é se o que se fez é artístico ou não. Só daí ele pode partir para uma valoração.

Antes de partir para essa etapa, o crítico deve compreender a obra, interpretá-la. Para chegar ao ponto de analisá-la, ele passa antes por uma série de etapas essenciais, que servirão para sedimentar o juízo. Impõe-se aí o dever do crítico especializado em buscar a universalidade, a objetividade, a unidade de juízo.

No jornalismo cultural a leitura de uma obra é sempre reclamada pelo público que, na impossibilidade de conferir todas as novidades artísticas, vêem nela uma forma de adquirir conhecimentos. Além, é claro, de se informar sobre a recepção que a obra está recebendo de todos os segmentos da sociedade. Ou seja, o discurso que o crítico propaga, não raro, é absorvido pelo público, dando continuidade ao senso-comum. No jornalismo cotidiano a questão se agrava ainda mais. Muitas vezes o jornalista sequer tem tempo de conferir a obra, fiando-se em matérias pré-produzidas e deixando de lado sua função crítica.

É difícil dizer para onde caminha a crítica de arte brasileira. Mas, com a crescente simplificação da imprensa, as questões que envolvem o jornalismo cultural (entre elas estão o jabá), a falta de uma consciência do que é artístico e a aparente vitória do discurso dos pretensos artistas, pode-se imaginar um futuro cada vez mais desanimador para ela. O que não impede de sonhar com dias melhores.

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

 

Espetáculos que tocam a alma

Refletir e sensibilizar são premissas de bons espetáculos. Em Goiânia, dois destes exemplos foram apresentados nesta semana

Por Erika Lettry

O grande mérito de um espetáculo é conseguir trazer à tona reflexões ou sentimentos. Essa deveria ser a maior preocupação de quem trabalha com produtos culturais. No teatro especialmente, que lida com o público de forma tão direta, ser reflexivo e despertar questionamentos é mais do que obrigação.

Teatro deveria valer sempre como uma boa sessão de terapia. Quer coisa mais decepcionante do que sair de casa para assistir um espetáculo teatral e voltar com a mesma bagagem? Se apenas entretém, faz rir de forma gratuita, ou se a discussão que levanta não resiste à queda das cortinas, como muitas produções que vemos por aí, é sinal que os esforços de produzir não valeram a pena. Tentar compensar a pobreza de idéias com recursos mirabolantes de cena ou com piadas preconceituosas é atraso de vida. E tal escolha é feita com relativa freqüência.

Mas, às vezes por acaso, surgem narrativas que de tão inteligentes podem se dar ao luxo de deixar a cenografia rebuscada para o segundo plano. Um exemplo? A peça Divã, que foi apresentada ontem no Teatro Rio Vermelho de Goiânia pela atriz Lília Cabral (foto acima), e que já percorre o Brasil há três anos. Com elementos de palco simples, uma linguagem visual sem rococós, soluções diretas de composição de cena, o diretor enxugou a peça de todas as “gorduras”. Desta forma, não houve como escapar das discussões que o espetáculo levantou.

Talvez a identificação imediata de muita gente com o texto de Divã deva-se ao fato da protagonista ser uma mulher e, mais do que isso, alguém que não suporta a sensação de estar vivendo uma mentira. De estar vivendo a falsa felicidade, como acontece tanto com muita gente. Eu mesma me identifiquei com vários destes pontos. É inevitável.

A grande brincadeira da peça é justamente essa: quem está no divã, na realidade, somos nós. Por meio da personagem, que decide freqüentar sessões de análise apenas por curiosidade e acaba descobrindo suas verdades, também o público acaba se submetendo sem querer ao confronto consigo mesmo.

Fiquei imaginando o quanto Divã pode ter tocado questões complicadas para pessoas da platéia: fracasso no casamento, desilusões amorosas, perdas irreversíveis, medo de envelhecer, sensação de inadequação. Fiquei imaginando ainda quantas pessoas riram do ridículo da própria situação, nos momentos de comédia, e como choraram por dentro ao verem expostas suas pequenas tragédias pessoais. A única certeza é que dificilmente o público saiu do teatro carregando a mesma bagagem.

Giramundo
No extremo oposto da peça Divã, o espetáculo Pinocchio, do grupo Giramundo (foto ao lado), apresentado segunda-feira à noite no Teatro Goiânia faz uma aposta ousada na estética teatral. Efeitos de iluminação, vídeo e sonorização, frutos de uma extensa pesquisa realizada pela companhia, levam o espectador a embarcar em um mundo mágico.

Aqui, forma e conteúdo se complementam. Para quem não conhece, o Giramundo trabalha com bonecos e tem forte influência das artes plásticas em sua composição. Quase todos os apetrechos usados em cena são feitos de madeira – e o uso das marionetes vai muito além do convencional. O manuseio é tão bem executado que os bonecos das personagens de Pinocchio parecem realmente ganhar vida própria no palco. Ao final, o público foi convidado, assim como sempre ocorre nas apresentações pelo país, a conhecer o trabalho dos artistas e se surpreendeu com a forma como a iluminação do palco dá dimensões gigantescas aos bonecos de madeira.

A história do boneco de madeira teimoso e inconseqüente que se torna um menino responsável, de carne e osso, é contada de forma sombria. No palco pouca luminosidade e no enredo temas pesados, como assassinato e vilanias. Aliás, dificilmente a peça poderia ser classificada como infantil. Isso até me lembra o alerta que o escritor Rubem Alves sempre faz em seus livros. Ele costuma dizer que a literatura infantil deturpa o conteúdo das fábulas e as torna vazias de significados.

Pinocchio, inspirado no original de Carlo Collodi, não cai nesta armadilha. A história narrada pende mais para o lado trágico e para uma complexa discussão acerca da moral, do livre arbítrio e da remissão do que para uma lição boba de obediência filial com o inevitável final feliz.

Goiânia em Cena
O teatro de bonecos fez uma única apresentação na segunda-feira durante a abertura do Festival Internacional de Artes Cênicas - Goiânia em Cena. Acompanhe abaixo os outros espetáculos que constam na programação, a partir de amanhã:

Dia 26, sexta, às 21 horas
Erê – Eterno Retorno (Território Sirius Teatro)
Goiânia Ouro
Dia 27, sábado, às 21 horas
Amoratado (Harapoi – Teatro de Títeres)
Goiânia Ouro
Dia 28, Domingo, às 16h30
Amor y Circo (Harapo – Teatro de Títeres)
Praça do Sol
Dia 29, segunda, às 19 horas
A Travessia – parte I – A partida (Teatro Ritual)
Goiânia Ouro
Dia 29, segunda, às 21 horas
A Pedra do Reino (Macunaíma Grupo de Arte Teatral)
Teatro Goiânia
Dia 30, terça, às 19h30
Contas Diárias (Cia. do Ator Cômico)
Goiânia Ouro
Dia 30, terça, às 21 horas
A Pedra do Reino (Macunaíma Grupo de Arte Teatral)
Teatro Goiânia
Dia 31, quarta, às 19h30
Carne Muro (Andréia Pitta)
Goiânia Ouro
Dia 31, quarta, às 21 horas
Danças de Repertório (Corpo de Baile da Cidade)
Teatro Goiânia
Dia 1º, quinta, às 19h30
Édipo (Cia Benedita de Teatro)
Martim Cererê – Teatro Yguá
Dia 1º, quinta, às 21 horas
Somos Três, Embora Um (Ana Andréia Arte Contemporânea)
Goiânia Ouro
Dia 2, sexta, às 19h30
Balada de Um Palhaço (Grupo de Teatro Arte e Fatos)
Goiânia Ouro
Dia 2, sexta, 21 horas
Sobre Mentiras e Segredos (Os Ciclomáticos Cia de Teatro)
Teatro Goiânia
Dia 3, sábado, 21 horas
Uma História Invisível (Cia Quasar de Dança)
Teatro Goiânia

Teatro Goiânia – Av. Tocantins, esq. c/ Rua 23, Centro
Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro – Rua 3 esq. c/ Rua 9, Centro
Martim Cererê – Rua 94-A, Setor Sul
Ingresso: 12 reais (inteira) , por espetáculo
Informações:
http://www.goianiaemcena.com.br/

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural
Foto Lília Cabral: Guga Melgar
Foto Giramundo: Divulgação

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

 

Jornalistas literários

Novos autores descrevem vida cotidiana e transmitem impressões e informações em nova visão jornalística sobre a riqueza cultural do país

Por Rodrigo Alves

Está chegando às livrarias, físicas e virtuais, de todo o país o livro Jornalistas literários - Narrativas da vida real por novos autores brasileiros (foto, 320 páginas, R$ 53,90), publicação da Summus Editorial. A obra, organizada pelo professor, jornalista e escritor Sergio Vilas Boas, é resultado de uma iniciativa pioneira no Brasil: apresentar a produção de jornalismo literário de autores brasileiros contemporâneos.

O livro é composto por dezesseis narrativas sobre pessoas reais e suas experiências. Com base em temas ou perfis biográficos, os artigos foram produzidos com a filosofia, a metodologia e as técnicas do jornalismo literário: criatividade, muito trabalho de campo, pesquisa intensa, detalhamento, expressão apurada e preocupação com o refinamento do texto.

O lançamento oficial do livro será realizado no dia 28 de novembro, às 19 horas, na Livraria Martins Fontes da Avenida Paulista, nº 509, São Paulo (SP). As novas revelações são jovens alunos das turmas de pós-graduação lato sensu da Academia Brasileira de Jornalismo Literário (ABJL) – assim como fui – que empregam em suas narrativas o refinamento da literatura.

Para quem não sabe, o jornalismo literário é uma modalidade do jornalismo que ganhou força na imprensa estrangeira, especialmente a dos Estados Unidos, entre os anos 1940 e 1970. Quem já não ouviu falar do Novo Jornalismo? Pois é, foi um dos movimentos que deram origem à retomada da reportagem com técnicas literárias que aos poucos vem ganhando corpo no Brasil. A vivência de pessoas comuns, seus dramas e dilemas são retratados com a elegância do texto elaborado sob o aprofundamento da reportagem jornalística.

Com a palavra o organizador: "A obra fala de temas sociais brasileiros relevantes. É material para ser lido como literatura, mais do que como jornalismo.” A obra demonstra que jornalistas, ou mesmo outros profissionais talentosos na atividade de narrar, podem desenvolver a tarefa de dizer por escrito. "Tradição e autenticidade. Razão e intuição. Lógica e emoção. Os ingredientes necessários à prática do jornalismo literário formam uma constelação criativa complexa", explica Edvaldo Pereira Lima, professor da ABJL.

Entre as narrativas temáticas apresentadas no livro, há histórias sobre um pastifício de Porto Alegre (Pasta e Passione); Paranapiacaba (SP) e suas memórias ferroviárias (Nos Trilhos do Passado); a comunidade armênia paulistana (Velha Nova Armênia); um sítio para crianças portadoras do HIV (As Artérias do Agar); casais sem-teto (Teatro das Esperanças); jogadores de um time diferente (Futebol Que se Joga na Rua); a influência cultural das árvores (De Árvores e Pulmões); uma homenagem ao rock genuíno (Dinossauros Imortais); o edifício Copan (Vidas em Concreto); e a superação do medo de dirigir automóveis (O Medo em Marcha à Ré).

Nos textos biográficos, as pessoas em foco são: um jornalista literário insubordinado e controverso (Marcos Faerman, um Humanista Radical); um senhor do mar catarinense (O Pescador Marino Streck); uma paciente às vésperas de uma neurocirurgia (O Outono de Fernanda); uma senhora extraordinariamente espiritualizada (A Clarividente Neiva); um certo Sr. Domingos, apaixonado para todo o sempre por sua Sra. Mulata (Simplesmente Mulata).

Serviço
Livro: Jornalistas Literários - Narrativas da vida real por novos autores brasileiros
Lançamento oficial: 28 de novembro, 19 horas. Na Livraria Martins Fonte, Av. Paulista, nº509, São Paulo (SP)
Organizador: Sergio Vilas Boas
Editora: Summus Editorial
Preço: R$ 53,90
Páginas: 320
Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

 

Coisas de casal

Adriana Esteves e Marcos Palmeira estrelam peça no Rio de Janeiro sobre o casal de cangaceiros Lampião e Maria Bonita

Por Carlos Eduardo Melo

Estreou quinta-feira, dia 18, no teatro de arena do Sesc Copacabana, a peça Virgolino Ferreira e Maria de Déa – Auto de Angicos, texto de Marcos Barbosa, direção de Amir Haddad, com Adriana Esteves e Marcos Palmeira (foto).

A premissa, convenhamos, não é das mais originais. Os personagens focalizados, também não. O mais interessante, pretensamente pelo menos, talvez seja a reunião desses dois temas fáceis, com o objetivo de criar uma visão algo diferente de uma história já bastante conhecida.

Casal de cangaceiros discute relação num acampamento no meio do sertão. Que tal? Eles são Virgolino Ferreira, o Lampião, e sua mulher, a Maria Bonita. Os dois, acometidos por uma compreensiva insônia, considerando a rotina exasperante que vivem, perseguidos pelos “macacos” da polícia, tiram a última hora de suas vidas para uma discussão das mais monótonas.

Poderia ser um “já falei mil vezes para não apertar o tubo da pasta de dente pelo meio...” ou “não dava para pendurar a toalha molhada, em vez de deixá-la enrolada em cima da cama?”, ou ainda “por que você sempre deixa suas calcinhas no box?” tivessem, lógico, Lampião e sua senhora o saudável hábito de escovar os dentes e tomar banho.

Mas não, o assunto dos dois, que preenche quase noventa minutos de espetáculo, ora evoca o passado (por que você fez aquilo?), ora vislumbra o futuro (a gente vai embora pra bem longe...), ora mostra a conhecida vaidade do líder dos cangaceiros, ora acentua a determinação da primeira-dama do cangaço. Nada muito original.

Imaginar os astros Marcos Palmeira e Adriana Esteves, bons atores indiscutivelmente, nas pessoas do casal de cangaceiros não é o mais difícil, embora a platéia (povoada de famosos, na estréia) tenha encontrado momentos para rir quando a discussão deveria ser séria – isso muito pelo modo um tanto histérico de algumas falas de Adriana, que lembram alguns personagens que interpretou ou interpreta na TV.

O pior mesmo é encarar um recorrente problema que se repete com lamentável freqüência em tantas produções, seja no cinema ou no teatro, e não só no Brasil. Trata-se do terrível fantasma dos quinze minutos a mais. Quer dizer, tivesse no mínimo quinze minutos a menos (a peça, não a vida do casal, por favor), não se perceberia com tanta nitidez a sensação de tempo desperdiçado, apesar do carisma dos atores.

Serviço
Peça: Virgolino Ferreira e Maria de Déa – Auto de Angicos
Data: De quinta a sábado, às 21 horas, e domingo, às 19h30
Local: Espaço Sesc – Rua Domingos Ferreira, nº 160, Copabacana
Ingresso: R$ 3 (comerciários) e R$ 12 (comunidade geral)
Informações no Rio de Janeiro: (21) 2548-1088

Carlos Eduardo Melo é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

Foto: Divulgação

domingo, 21 de outubro de 2007

 

Frasco de Floral

Nesta semana será comemorada a 8ª Semana da Diversidade Cultural GLBT de Goiânia. A seguir conheça a história do corajoso Marcelo

Por Rodrigo Alves

Marcelo seria personagem de uma matéria minha, indicado por um amigo em comum. A pauta: jovens que só pensavam em beijar. Acabei desistindo dele. Era muito velho para o perfil que procurava – tinha 29 anos e a matéria era sobre adolescentes. A perda foi significativa, pois seria o único personagem homossexual da reportagem.

Sua orientação sexual foi levada em conta porque eu gostaria de contar a história de alguém que raramente aparece neste tipo de matéria: um homossexual. Queria mostrar que não há diferença nenhuma de comportamento com os heteros, mesmo quando se trata da mania de beijar.

Frustrado com a impossibilidade, propus a ele ser personagem de uma matéria, em jornalismo literário, que teria de escrever para a especialização. Ele topou. Topou inclusive que eu publicasse nome e sobrenome já que desta vez a matéria não sairia no jornal.

Cheguei à casa dele em um domingo chuvoso. Estávamos sozinhos, porque ele pediu para que o tio e o primo, com os quais dividia o apartamento, não ficassem em casa. Confesso que fiquei nervoso. Talvez pelo preconceito bobo que infelizmente carregamos arraigado dentro de nós. Por mais que tentemos escondê-lo, reprimi-lo, ele, às vezes, insiste em aflorar.

Notei que Marcelo tinha acabado de tomar banho e estava perfumado. Em nenhum momento se insinuou a mim, algo que imaginava poder acontecer a qualquer momento. Cheguei a criar a cena na minha cabeça de como seria embaraçoso ter de explicar a ele que não estava ali para aquilo e que tinha namorada.

Obviamente nada aconteceu. Burro preconceito. Cabeça fraca. Como é que eu pude imaginar aquilo? Senti-me por muito tempo um monstro. Mas, depois entendi que aquela vivência me ajudou a ter uma visão um pouco mais plural e fez parte de um processo de amadurecimento.

A conversa foi muito agradável. Ela se repetiria ainda mais duas vezes, na intenção de mergulhar mais profundamente na vida do meu personagem. Naquele início de noite, Marcelo me mostrou o vidro do floral (um remédio homeopático) que usava.

Estava sobre a mesa do computador, enquanto ele procurava por um site na Internet que explicava para que serve cada componente da fórmula. Ainda restava um pouco do conteúdo no frasco e o rapaz lembrava-se que era hora de pedir nova receita para a psicóloga.

A fórmula ajuda a superar compulsões, indecisão, depressão, preguiça, timidez, fumo e a aumentar a autoconfiança. Houve um momento em que uma compulsão por sexo havia surgido e o remédio o ajudou a contornar o problema. Sorriso nervoso, pele morena, cabelos negros curtos, quase sempre escondidos por um boné, ele me contou alguns episódios marcantes de sua trajetória.

Um deles foi o que viveu certa vez, com o segundo companheiro com manteve um relacionamento mais longo. Moraram juntos por muito tempo. Havia acabado de chegar no barracão que dividiam. Depois de quase dois anos de namoro, o relacionamento entre os dois rapazes estava desgastado.

– Eu sei que você não me ama mais – reclamou Marcelo.
– Você quer terminar?
– Não é isso. Acho que não precisa tanto.

Era a oportunidade que o companheiro esperava há muito tempo. Sem dizer o que já era latente, simplesmente anunciou a decisão.

– Em três dias, no máximo, volto para buscar o resto das minhas coisas.
– Tá certo disso? Se sair é definitivo... Não precisa nem pedir para voltar depois.

Marcelo chorou. O companheiro depois quis voltar, mas como ele prometeu, não houve volta. Pela primeira vez conseguia se livrar de um situação que o incomodava há muito. O rapaz, que Marcelo conheceu quinze dias depois de terminar seu primeiro namoro, era gay e não se aceitava. “Gay não é uma coisa certa”, dizia sempre.

Visivelmente perturbado, o rapaz se auto anunciava um protegido de Deus e só por isso podia continuar tendo relações homossexuais. Obrigava Marcelo a se confessar ao padre toda semana para poderem comungar nas missas dos domingos.

Naquele domingo em que eu o encontrei, ele não foi à missa. Já não ia há anos. A chuva lá fora havia parado e tive de ir embora. Marcelo tinha outro compromisso. Iria se encontrar com o atual namorado. Estava meio ressabiado com o namoro. Com sete meses de relacionamento, o novo companheiro estava um pouco indiferente. Marcelo parecia prever que, daí a menos de um mês, outro relacionamento terminaria, mas desta vez de uma forma saudável.

*Marcelo é nome fictício que resolvi usar para preservar sua identidade

Semana GLBT
Esta semana é dedicada ao orgulho gay em Goiânia. O ápice da semana será no domingo, com a 6ª edição da Parada Gay da cidade, oficialmente chamada de Parada do Orgulho GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transsexuais e Travestis). O evento inicia-se ao meio-dia, no Parque Botafogo (próximo ao Parque Mutirama). Durante a semana será realizada no Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, a 8ª Semana da Diversidade Cultural GLBT de Goiânia, entre os dias 22 e 27. O ingresso custa R$ 1 por dia. Confira a programação:

Segunda
19h - Abertura - Tema: Cidadania e Direitos Civis: conquistas e ausências para a
população GLBT
20h - Vernissage – Homo queer remixed. Com curadoria de Hugo Siqueira (DF) e trabalhos de Alex Cerveny (SP), Astrounata Mecanico (SP), Clovie Masson (GO), Fernando Cardoso (MG), Fernando Carpaneda (DF), Florian Raiss (SP), Leo Brizola (DF), Lwolf (DF), Lincoln (DF), Marcelo Henrique (GO), Marcelo Salum (SP), Marcelo Solá (Go), Max Miranda (GO), Ronan Gonçalves (GO), Nazareno (GO), Zello Visconti (DF), Chikim Lopes (GO), Glenda Torres(DF/SP), Vinícius Moreira (GO)
21h - Filme: Stonewall (EUA, 99min, 1995)

Terça
12h30 – Filme: Hedwig – Rock, Amor e Traição (2000, 95min)
18h30 – Sessão curtas: Desejo proibido (2000, 30min), Mergulho noturno (2005, 19min), Laura, uma Diva do Babaduu! (2007, 22min)
20h30 – Filme: Short Bus (2006, 102min)
22h – Debate: Violência e Discriminação da População GLBT

Quarta
12h30 – Filme: Minha mãe gosta de mulher (96 min)
18h30 – Filme: Beautiful Boxer (2003, 116min)
20h30 – Filme: Café da Manhã em Plutão (2005, 135min)
22h – Debate: Mídia e representação: papéis e performances GLBT

Quinta
12h – Filme: Tempestade de Verão (2004, 98min)
18h30 – Filme: As filhas de Chiquita (2006, 52min)
22h – Debate: Qual o lugar da L no movimento pela diversidade em Goiás?

Sexta
12h30 – Filme: C.R.A.Z.Y – Loucos de Amor (2005, 127min)
18h30 – Filme: Lado Selvagem (2004, 93min)
20h30 – Filme: Madame Satã (2005, 105min)
22h – Debate: Negritude e Homossexualidade

Serviço
Evento: 8ª Semana da Diversidade Cultural GLBT de Goiânia
Data: 22 a 27 de outubro
Local: Centro Municipal de Cultura Goiânia Ouro, Rua 3 esq. c/ a Rua 9 – Centro
Ingresso: R$ 1
Informações: 3524-2541 (Goiânia Ouro)


Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Foto: Murilo Ribas - www.flickr.com/photos/muriloribas

sábado, 20 de outubro de 2007

 

Tá gostoso... mas faltou pimenta

Apesar de deslizes, peça de Pedro Vasconcelos é fiel ao texto de Jorge Amado, como prometeu, e faz jus à obra do escritor baiano

Por Erika Lettry

Confesso: foi com certa desconfiança que fui ao Teatro Goiânia nesta sexta-feira assistir à peça Dona Flor e Seus Dois Maridos. Primeiro porque sou apaixonada pelos livros de Jorge Amado desde que li Capitães da Areia na adolescência. Afinal de contas, como transportar para o teatro toda carga de sensualidade, misticismo e humor das personagens do escritor baiano?

A segunda desconfiança foi em relação ao elenco. Atores com pouca experiência no teatro e que sempre apresentaram peças convencionais demais, globais demais, comerciais demais (com as poucas opções de teatro na cidade, é comum aparecer caça-níqueis por aqui...), é de deixar qualquer um com a pulga atrás da orelha...

Mas a versão para o teatro de Dona Flor e seus Dois Maridos, que teve ontem sua estréia nacional, me surpreendeu de forma positiva. Estava tudo lá, do jeitinho que Jorge Amado gostaria de ver: diálogos maliciosos, sensualidade, bom humor, crítica à hipocrisia e aos recalques e defesa da liberdade sexual feminina. Tudo isso permeado com aquele sotaque mole e gostoso dos baianos, que o diretor Pedro Vasconcelos fez questão de reforçar.

E já antes do elenco entrar em cena, o público foi sendo transportado para este universo do escritor. Aliás, quer combinação mais acertada do que o texto de Amado com a música de Dorival Caymmi? E, para completar, um cenário que lembra as ruas do Pelourinho de Salvador? Se a idéia era fazer o público entrar no clima da peça, conseguiram.

A peça cumpre a promessa feita pelos atores e direção de ser fiel ao livro e começa com a morte de Vadinho em pleno Carnaval. Da platéia surgem os atores em clima de festa, cantando, dançando e tocando tambores. Até que Vadinho, interpretado por Marcelo Faria, cai morto no chão. A cena é cortada para, em seguida, mostrar o enterro do marido de Dona Flor.

De um lado estão os amigos, relembrando as pilhérias do falecido. Do outro lado as mulheres, comentando o quanto Dona Flor sofreu com a infidelidade e os vícios do marido. Em flashback, é mostrada a história do casal, como se conheceram e se casaram, e como a personagem sofreu nas mãos do marido irresponsável.

Depois de relembrar a vida do casal, a cena volta com Dona Flor sendo consumida pelo desejo, o que a incentiva a encontrar um marido. A personagem acaba se casando com o farmacêutico Teodoro, o oposto de Vadinho. É quando ela percebe que, apesar de estar com um bom marido, não consegue viver com a rotina no sexo e chama pelo falecido. Passa então a viver em contradição, até notar que precisa dos dois maridos para ser feliz. Um lhe dá estabilidade, enquanto o outro reaviva seu desejo.

Com uma narrativa cativante – o que, sendo fiel ao texto de Jorge Amado, nem deve ser tão difícil –, a única frustração da peça fica por conta da atuação de Carol Castro no papel principal. Visivelmente nervosa no início da apresentação – afinal, é a primeira vez que protagoniza uma peça de teatro –, a atriz foi recuperando o fôlego no decorrer da encenação. Mas não conseguiu disfarçar a má composição da personagem.

Nem de longe a atriz conseguiu alcançar a força e o carisma que as personagens de Jorge Amado encarnam na literatura brasileira. Basta lembrar que no cinema Sônia Braga foi inesquecível no papel de Dona Flor. Exemplos para inspirá-la em uma boa atuação em personagens do autor nunca faltaram: Patrícia França, no papel de Tereza Batista, Betty Faria como Tieta ou mesmo Giulia Gam com Dona Flor. Mas a moça disse que preferiu não assistir nada antes da peça...

Já no teatro, quem rouba a cena é Marcelo Faria que, no papel do cafajeste Vadinho, conquistou a platéia. Ele mostrou jogo de cintura na rápida cena em que aparece em nu frontal. “Só peço uma coisa: por favor, não coloquem minha bunda na internet”, brincou durante os agradecimentos ao final. Isso sem falar nos atores coadjuvantes – como a mãe e a amiga de Dona Flor. Protagonista de obra do Jorge Amado sem sal? Hum... Por causa de Carol Castro, a impressão que se tem é de que esqueceram de colocar pimenta no acarajé.

P.S. – Apesar da “falha”, recomendo a peça aos espectadores que poderão ver a peça na turnê nacional.


Sessão Extra
Além das próximas sessões previstas em Goiânia, uma para daqui a pouquinho, às 21 horas, e outra amanhã, domingo, às 20 horas, o sucesso de vendas adicionou sessão dominical extra às 18 horas. Veja o serviço no post Muito Bem Acompanhada, abaixo.


Perólas de Vadinho na peça, do repertório de Jorge Amado

“– Que mal há nisso, meu bem? Que é que tem? Deixa minha mão ficar aí, não estou te tirando pedaço, nem te alisando, o que é que tem?”

“Tu está tão bonita, tu nem sabe... Tu parece uma cebola, carnuda e sumarenta, boa de morder...”

“Não posso impedir, mas, apertando um pouco cabe nós três...”

“Deus é Gordo”

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

Foto: Divulgação/Guilherme Maia

 

Relações Possíveis

As Leis de Família, novo filme do argentino Daniel Burman, mostra buscas ontológicas às reais possibilidades da vida entre pai e filho

Por Fellipe Fernandes

O que você sente quando sai da rotina? Qual o tamanho que esse sentimento toma ao passar dos anos? Qual a intensidade que a si invoca à medida que se envelhece? De que maneira se deve lidar com tais emoções: com o coração incendiado pela juventude ou com a cabeça apaziguada pela idade? Perguntas assim são tão antigas quanto a discussão ontológica do “quem sou eu?”, “de onde eu vim?” e “para onde eu vou?”, mas que no filme As Leis de Família (foto), do diretor argentino Daniel Burman, que estreou nacionalmente em agosto e ontem em Goiânia, ganham, muito além da razão necessária a sua discussão, o tratamento onírico essencial proporcionado pelo melodrama.

Isto porque nós, os humanos, somos seres em suspenso. Quanto mais ilusões buscamos na realidade, mais realista se torna o nosso ilusionismo, principalmente se o método se aplicar ao discurso diário a que chamamos brevemente de rotina. No filme de Burman, por exemplo, esse preceito é ainda mais lícito quanto transportado para uma narrativa fílmica amarrada por frustrações e desconforto diante da vida que se vive e, ainda pior, diante daquela que se gostaria de ter e não nos permitimos por diversas razões.

Ariel Perelman é o personagem central desse incômodo que, no viés do cinema argentino, é algo tão agradável quanto não deveria ser, mas tão encantador que nos dá a impressão de que não poderia ser mesmo de outro jeito. No filme, Ariel é advogado, filho do também advogado Bernardo Perelman, a quem não chama de pai. Ao contrário do que toda crônica pai-e-filho tende a propor, na história de Burman não há a admiração ao heroísmo do progenitor, mas sim o contrário: cada vez mais, cumprindo a rotina a que chama de vida, Ariel teme se transformar na figura do pai a quem não deseja ser, mas que indiscutivelmente já é semelhante.

A ilusão que, dessa forma, se supunha realidade passa, com a chegada do filho de Ariel, a se converter numa realidade paradoxalmente ilusória. Ele mesmo não é capaz de interagir normalmente com o filho, sob o pretexto de que “somos muito estranhos quando saímos do contexto”. De fato, solucionar todas as barreiras colocadas entre pai e filho - de forma inconsciente pelo primeiro e securitária pelo segundo – seria a redenção de Ariel, como estamos acostumados a ver diariamente nas novelas que seguimos. Mas é aqui que o cinema argentino se diferencia de outros tipos de trabalhos audiovisuais: na trama fluida de Burman, Ariel vai se transformar, mas não se redime.

Mensagem consistente – Contar mais sobre as tramas entre pai e filho de As Leis de Família seria um despropósito para com o filme e, especialmente, para com aqueles que queiram vê-lo. No entanto, é preciso que se diga: muito da relação estética estabelecida entre espectador e a obra de Burman decorre mais das leituras de mundo de quem o assiste do que do próprio filme em si. Porque é recorrente na filmografia do diretor – que fez o belo e também paternalmente conflituoso O Abraço Partido – não ir além daquilo que é essencial, deixando nas entrelinhas o lugar especial para quem tenta aventurar-se emocionalmente a desvendá-lo.

A acuidade visual dos planos, o minucioso trabalho de uma câmera parada que passa a se movimentar, a se arriscar mais durante a narrativa (uma trajetória semelhante à percorrida por Ariel) são pontos a serem observados e relevados nas análises a serem empreendidas em As Leis de Família. O garotinho Eloy Burman (cria do próprio diretor), que interpreta no filme o filho de Ariel, é também uma atração a parte, tão carente de pai como Ariel é do seu.

No entanto, mais do que simplesmente rir ou chorar, As Leis de Família torna-se diante de suas positividades muito mais questionador do que parece ser à primeira vista. Àqueles que irão vê-lo, ainda que vivam numa realidade ilusória (ou também no contrário), muito mais importante do que descobrir do lado de dentro da tela de cinema as respostas daquelas perguntas com as quais se iniciou este texto é transportá-las para o mundo de cá da telona, onde a vida é possível, muito mais do que a simples objetividade de algumas palavras.

Isto porque o filme é vivo e ávido de sua existência, ainda que rotineira para Ariel. Não será de assustar se houver reconhecimento ou processos catárticos por parte dos espectadores durante o desenrolar da trama. Normalmente, se rimos ou choramos, sabemos conscientemente de cada uma das razões que nos levaram às gargalhadas ou às lágrimas. Com isso, seja lá a emoção que desencadear, tem se o recado final do filme: famílias são praticamente sempre as mesmas; só mudam o endereço.

Dessa forma, a pergunta que resta é: como você lida com a sua?

Serviço
Filme: As Leis de Família (Derecho de Família) - Argentina/Itália/Espanha, 2006. 102 min. Drama. 12 anos.
Direção: Daniel Burman

Elenco: Daniel Hendler, Arturo Goetz, Julieta Díaz, Eloy Burman
Cinemas em Goiânia: Shopping Bougainville, Rua 9, Setor Marista - Lumière Bougainville 3 - 15h10, 17h10, 19h10 e 21h10 (programação até quinta, dia 25)


Fellipe Fernandes é jornalista e especialista em Cinema

Foto: Divulgação

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

 

Muito Bem Acompanhada

Peça Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Pedro Vasconcelos, estréia nacionalmente em Goiânia com elenco global

Por Erika Lettry

A peça Dona Flor e Seus Dois Maridos, adaptada do romance de Jorge Amado, tem estréia nacional nesta sexta-feira, dia 19, em Goiânia. Serão três apresentações. Elas serão realizadas no Teatro Goiânia na sexta e sábado, às 21 horas, e no domingo, às 20 horas. Depois de Goiânia, a equipe segue em turnê até o final do ano por Porto Alegre – dias 26 a 28 de outubro, no Theatro São Pedro – , Curitiba, Aracaju, Salvador e Brasília. Em janeiro ou fevereiro de 2008, a peça entrará em cartaz no Rio de Janeiro, onde permanece por alguns meses para em seguida rodar pelo Brasil novamente.

A direção é de Pedro Vasconcelos e o elenco, encabeçado por Duda Ribeiro, Carol Castro e Marcelo Faria (foto). Marcelo e Pedro são os responsáveis pela adaptação do texto. Eles vão apresentar os trechos mais relevantes da obra. A peça é dividida em cinco capítulos: a morte de Vadinho durante a quarta-feira de Cinzas; o luto de Dona Flor; a progressiva recuperação emocional da personagem, que conhece um pretendente; a lua-de-mel de Dona Flor com o farmacêutico Teodoro; e, por fim, o surgimento do espírito de Vadinho, que passa a tentar Dona Flor.

A religião, segundo Marcelo Faria, será o aspecto mais valorizado na adaptação. Isto, claro, sem deixar de lado a sensualidade, que é a marca de Jorge Amado. Para Carol Castro, a peça é uma oportunidade de o público conhecer melhor a personagem Dona Flor, imortalizada no cinema por Sônia Braga, e lembrada pelo público como mulher fogosa. A atriz acredita que a personagem é mais complexa do que aparenta e repleta de contradições.

Para quem não se lembra do livro (ou não leu), Dona Flor é uma professora de culinária pudica e cheia de recato. Isso até conhecer e casar-se com Vadinho, homem mulherengo, péssimo marido, mas que conseguia despir Dona Flor de seus pudores. Com a morte de Vadinho, Dona Flor casa-se com Teodoro, o aposto do marido morto. Teodoro é um homem metódico e fiel, mas que não desperta a mesma volúpia em Dona Flor. Sentindo cada vez mais a falta de Vadinho, acaba tendo visões com o falecido, que aparece em espírito para tentá-la.

Curiosidades

- A escolha de Goiânia para estréia de Dona Flor e seus Dois Maridos partiu de Marcelo Faria. Como é figura recorrente na cidade – ele chegou a abrir um bar com amigos há alguns anos – o ator decidiu realizar um sonho antigo da mãe, que vive na cidade e gostaria de ver o filho estreando onde ela mora.

- Além de ter família e amigos em Goiânia, Marcelo, claro, recebeu incentivo de empresas para estrear na cidade. Mesmo assim, quem quiser assistir terá que desembolsar no mínimo R$ 30 (meia-entrada). Assistir teatro em Goiânia, especialmente com produções vindas de fora do Estado, tem sido um divertimento caro aos goianienses.

- Assim como no cinema, em que José Wilker interpretava Vadinho, Marcelo Faria vai aparecer nu diante do público. E, obviamente, não deve faltar a cena clássica em que Dona Flor caminha abraçada com os dois maridos pelas ruas de Salvador.

Serviço
Local:
Teatro Goiânia
Dias: 19, 20 e 21 de outubro de 2007
Horário: sexta e sábado, às 21 horas, e domingo, às 20 horas
Preço: R$ 60. Estudantes, idosos e assinantes do jornal O Popular pagam meia-entrada
Site: http://www.donafloreseusdoismaridos.com.br/
Informações em Goiânia: (62) 3201-4604

Erika Lettry é jornalista e especialista em Jornalismo Cultural

Foto: Divulgação /Guilherme Maia

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

 

O Irmão Mais Novo

Nasce novo blog que une jornalismo cultural, jornalismo de revista e jornalismo literário em proposta para reunir interessados na área

Nada mais justo que o próprio blog seja assunto e personagem de seu primeiro post. A história do Plural Blog começou há dois anos, quando dois concluintes do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Goiás precisavam definir rapidamente como seriam seus trabalhos de conclusão de curso. De um lado Erika Lettry, uma amante inveterada de jornalismo cultural, de outro Rodrigo Alves, um apaixonado por revistas. Em um momento mágico, daqueles que acontecem todos os dias mas poucos conseguem perceber, nasceu uma vontade conjunta de unir as duas vertentes para chegar a um produto comum. Vontades acirradas e projeto experimental definido, nasceu a Revista Plural (na foto, a capa do projeto piloto), que inspirou este blog, resultado de um ano de pesquisa. Hoje há participação de mais gente, em trabalho de cooperação. O pequeno irmão mais novo é despretencioso. Quer ser seu companheiro de todos os dias. Por isso, deseja que você seja bem-vindo à família.




terça-feira, 16 de outubro de 2007

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