quinta-feira, 1 de novembro de 2007

 

A outra tropa de elite

Rota 66, de Caco Barcelos, relata história da polícia paulistana que mata inocentes. Boa (re)leitura para quem gostou de Tropa de Elite

Por Rodrigo Alves

A leitura de uma obra sempre pode ser subsidiada por outras. Não publicamos por aqui nada sobre o filme Tropa de Elite. Primeiro porque já estava mais que divulgado – graças aos camêlos! – e depois porque, como se diz por aí, quando entramos na rede, já tínhamos perdido o timing do lançamento. Mas agora sugerimos uma obra correlata e que complementa o filme. Por isso, aí vai uma dica para quem viu o filme (ou leu o livro original): leia Rota 66 – A História da Polícia Que Mata, do jornalista Caco Barcelos.

Não se trata de uma obra ficcional como Elite da Tropa (Editora Objetiva, R$ 30), de André Batista, Rodrigo Pimentel e Luiz Eduardo Soares, inspiração do filme. Este baseia-se na vida real, mas não tem a intenção de fazer reportagem ou ser veículo de denúncia. Pelo contrário, dá vazão para a criação literária (entenda-se ficcionalização). Rota 66, não. Ele é um relato real, uma enorme reportagem, que o mercado editorial chama de livro-reportagem.

A obra de Barcelos é resultado de duas décadas de apuração sobre outra tropa de elite: as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), uma espécie de Bope paulistana, surgida pouco depois da fundação das polícias militares estaduais, por volta de 1970, por conta da ditadura militar. Ainda jovem repórter, o jornalista, hoje na redação TV Globo - São Paulo, percebeu que algo estava muito errado na filosofia da atuação da corporação de elite da PM de São Paulo. Desde pequeno, ele já fazia parte da parcela da população que temia a polícia: nasceu na periferia de Porto Alegre.

Uma motivação pessoal e uma perspicácia aguda o levaram a ir juntando, ao longo da carreira, provas sobre a história de uma polícia que mata inocentes. Espertamente, ele abre seu livro com uma narrativa que recria com minúcias (dignas de Truman Capote, de A Sangue Frio) a perseguição e a matança indiscrimida de três jovens da elite paulistana naquela década de 1970. Os assassinos faziam parte da patrulha da Rota número 66, a referida no título.

Como não se tratava de mais um caso de pobres, negros e pardos – dessa vez eram filhos de juiz e empresários – o caso ganhou notoriedade da imprensa. Foi a ponta do iceberg para qual poucos deram crédito, mas Barcelos, como bom repórter, investigou, pesquisou e esmiuçou. Ele chegou ao fim com um banco de dados impressionante, retrato de uma polícia que mata indiscriminadamente, por critérios racistas.

Diversas outras histórias de injustiça também são contadas. A obra mostra relatos de como a impunidade no Brasil ainda existe, porque aqueles que estão no comando são coniventes. E é, sobretudo, um verdadeiro ensaio sobre trivialidade com que se trata a vida humana e de como surgem “cânceres” em uma sociedade desigual e desleal.

Os atributos literários da obra não são lá essas coisas. Caco, que escreveu o livro pelos idos de 1992, não conseguiu fazer uma obra artística. Pelo contrário, pecou por não ter investido em uma narrativa mais densa e ter optado pelo vício da linguagem de relatório que nossa imprensa ainda insiste em praticar. Rota 66 não consegue, por exemplo, alcançar o êxito estilístico de Abusado (Editora Record, R$ 58). Talvez, por falta de experiência autoral de seu escritor. Mas é um show de reportagem, de boa apuração e de persistência. E nessa força documental é que o leitor encontrará pagamento por ter investido dinheiro e, principalmente, tempo no livro.

Serviço
Livro: Rota 66 – A História da Polícia Que Mata
Autor: Caco Barcelos
Editora: Record
Preço médio: R$ 37,80
Disponibilidade: fácil
Rodrigo Alves é jornalista e especialista em Jornalismo Literário

Um comentário:

Hebert Regis disse...

Rota 66 é uma aula de Jornalismo Investigativo, além da lição de garra de um repórter, que dedicou horas extras à apuração dos fatos para mostrar as atrocidades da Rota em São Paulo. Rota 66 é um embrião para o livro Abusado, bem melhor redigido e com o estilo literário refinado. Apesar de baseados basicamente em números, e sem um bom trabalho de edição das histórias, Rota 66 soube, no entanto, cumprir com excelência a verdadeira função social do Jornalismo. O que anda bastante esquecido pelas redações do País. Abraço.